quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Cinzento

Hoje o céu estava dum cinzento chumbo, muito carregado.
Passei, como sempre, apressado e cara enterrada nas golas do casaco e no cachecol. Uma mãe arrastava uma filha pequena pelo braço, num passo mais ou menos vagaroso, a que correspondiam passos saltitantes, quase de corrida, da criança. Ia dizendo para a mãe “não gosto do céu cinzento”. A mãe lá disse “sim, é porque vai chover”.
A mim, tudo me parece cinzento carregado.
Mas eu gosto do céu cinzento. Gosto da chuva. Gosto do frio. Gosto do nevoeiro.
Gosto do inverno. De sentir o vento na cara.
E do cinzento.
Falta a cor do verão.
Falta.
Mas a vida não é sempre verão. Muitas vezes é inverno. Mais vezes que verão.
Dantes também não gostava. Contentava-me com o branco da neve e o preto da noite. Suspirava pelos amarelos, os encarnados, os verdes, e o azul ciano.
Depois percebi que por baixo do branco da neve o verde ainda lá estava. Mortiço, talvez. Mas ainda lá. Que o escuro da noite não apagava as cores do dia. Só as encobria. Que os amarelos e os vermelhos também estão no outono. E que por detrás das nuvens o céu continuava da mesma cor. E alguém me ensinou que a vida não é (não pode ser) a preto e branco. Que às vezes é cinzento. Muitas vezes é cinzento. E é importante aprender a discerni-lo.
E aprendi a gostar o cinzento. E quando olho para o céu de chumbo vejo a chuva que renova, mesmo quando mata.
Gostava que aquela menina aprendesse o valor do cinzento. No azul do céu. E nas cores da vida.