quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O fim do mundo e outros mitos


O título vi-o hoje num jornal. Gostei. Não era bem assim, mas foi assim que me soou, mal lhe pus os olhos em cima. Era a propósito de um congresso qualquer acerca de diversos mitos, desde o fim do mundo a 21 de Dezembro ao local de nascimento do Viriato. Parece que não foi na Serra da Estrela. A mim pouco me importa. O Viriato, como os grandes homens, não era duma terra só. Era Luso, e isso basta. Também já aqui me debrucei sobre o 21 de Dezembro. Mas não é isso que me importa hoje. Nem sequer se o mundo acaba ou não para Dezembro. Que me importa isso?
Podia ficar aqui a discutir a importância dos mitos. Ou a sua não importância. Mas também não é isso que me interessa. É-me suficiente dizer que à sombra dos mitos o mundo avançou. Outras vezes enganou-se. Mas conhecer faz-se de enganos também.
O que me importa é este fim do mundo a que assisto, eu, aqui sentado, olhando para a caneta, velha amiga, mas preferindo as teclas do computador, onde as pontas dos meus dedos vão escrevendo sem tinta. Está a acabar-se o mundo. O hoje amanhã será passado, como em todas as eras. Com ou sem mitos. Acaba-se a cada dia. E mesmo assim, há uma ânsia por um fim. Talvez seja da natureza humana querer ver o fim, como se nele houvesse respostas. Não sei. Mas cada dia traz um fim. Não percebo porque se há-de querer outro. Bem a propósito, enquanto escrevo, pus-me a ouvir música portuguesa do século XVI, que encontrei no youtube. De repente, dei por mim a cantar a "Porque me não ues Joana", uma cantiga de amigo que eu também cantava na faculdade, no coro a capella a que pertencia. Dei um sorriso involuntário, ante aquela lembrança, mas também isso já é passado. Fim. É bom recordar. Mas não penso voltar a vivê-lo. Para fim, basta-me um só. Sobretudo, quando a cada dia vejo o fim de mais qualquer coisa nesta lusa terra, tão amada por tantos e por mim também , bem antes do Viriato. Mas cada dia, algo fenece. Vejo nas ruas olhos vazios, de gente que anda para cá e para lá, mas não sabe para onde. Vejo governos sem alternativas, sem soluções, sem brio de servir… Possivelmente nem saberão o que isso é. Mas não creio que alguém, algum dia, mo pergunte. Vejo velhos de ombros caídos. Vejo crianças ainda inocentes, desconhecedoras de que o seu tempo já acabou, mesmo antes de ter começado. Temo bem, que o fim que está para chegar seja o da esperança.
Atormenta-me a ideia da pobreza. Um pobre, o que é? Se perguntar a um banqueiro, dir-me-á que é alguém sem crédito. Se perguntar a um empresário poderá dizer que é alguém sem trabalho. Se perguntar a um governante, talvez diga que é alguém que recebe subsídios. Se perguntar a um padre, provavelmente dir-me-á que é alguém sem pão nem fé. A um trabalhador, e dirá que é o pedinte na rua, ou no metro, ou no comboio… Um pobre é muitas coisas. Porque a pobreza vem em muitas formas. E todas destroem. Todas matam. Todas ditam o fim. Um fim para o sem crédito, para o desempregado, para o subsidiado, para o néscio, para o esfomeado, para o maltrapilho. E, sobretudo, um fim para o desesperado. Nada quebra tanto o Homem como perder a esperança. Não me resigno a que haja pobres para sempre. Não posso resignar-me. Que homem serei, senão um pouco homem, ou mesmo um homem morto, se parar de lutar pela justeza da Humanidade toda inteira onde todos caibam? Pouco homem, de verdade.
Não se perca a esperança, e talvez não venha o fim do mundo.
Happy Halloween.
Feliz dia de Santos.

sábado, 20 de outubro de 2012

Coitados deles


Dentre as espécies de pessoas que não suporto, os untuosos ocupam lugar especial. Os falsos, sim, também. Essa corja, que faz da perfídia uma coisa de trazer por casa e a usa com a mesma displicência e facilidade com que se muda de camisa ou se calça outro par de meias. Mas os untuosos... Há qualquer coisa neles de simplesmente odiável. Não sei se é aquela atitude submissa, enquanto empenham a sua inteligência e astúcia em tentativas de agradar a todo aquele que, mesmo remotamente, possa ser uma mais-valia. E num país de doutores...pfff, já se vê. Não, o negócio da graxa não pode ir mal. Haverá outros que sim. Os restaurantes, as lojas, os vendedores de toda a espécie, mesmo os que vendem coisas que não servem para nada mas que habilmente as vendem, porque criaram nos consumidores a ilusão de que são necessárias... Todos eles se veêm apertados pelo recuo do consumo.
Agora penso que o recuo do consumo pode não ser totalmente mau, se ajudar a que nos livremos das ilusões do consumo excessivo. Mas claro, é sempre mau porque resulta do empobrecimento forçado e não da livre vontade. Desde que nos convencemos de que comprar é necessário para viver, lançámo-nos num caminho que dificilmente acabará bem. E aqui reside o problema. Mas os untuosos. Coitados deles. Passam pela vida esquecendo-se dela, tão ocupados estão com a vontade de agradar. E no jogo de xadrez não passam de meros peões, jogados como os outros, uma casa de cada vez, embora convencidos de poderem a bel-prazer atravessar o tabuleiro inteiro. Haverá sempre alguém, cuidam, que dará o jeitinho. E por entre sorrisos tortuosos, lançam-se. Coitados deles. Como se a graxa com que se besuntam, a si e aos outros, os fizesse escapar por entre as gotas da chuva, os grãos de poeira dos caminhos. Ou se os cabelos das suas cabeças pudessem parar de cair ou passar pela vida sempre fazendo de outros bengalas, nunca pondo, eles próprios, os pés no chão. Mas o caminho, como se faz, se não se caminhar? São como corvos que sonham ser águias. Coitados deles. Detesto-os de verdade. Um homem que espezinha outro é ignóbil. Um homem que usa outro é parasita. Parasitas todos eles, cheios de mesuras, de vénias, de sorrisos falsos, de palmadinhas amigáveis, de conversas de ocasião… Para no momento certo fazerem dos vaidosos presas.
E de que vale? Pergunto-me a mim próprio de que vale. De que vale tanto unto? Porventura não virá, a seu tempo, reclamá-los a Morte? Claro, também poderia perguntar de que vale, afinal, seja o que for, com ou sem unto, porque a Morte a todos reclama. E sim, reclama. Talvez os untuosos tenham o seu consolo no seu unto. Nos seus esquemas, nos seus sonhos de voar alto… E talvez isso lhes baste, tal como à mulher em frente da Bershka talvez lhes bastassem os sacos de compras. Ou aos cães de loiça lhes baste estarem ali, no seu posto, muito afilados de olhos cor-de-laranja, enquanto o mundo e a vida passa  por eles. E, portanto, quando chega o seu tempo, nada mais esperam. Não sei. Não posso dizer. Sei que o unto a mim me enoja. E isso a mim basta-me. Preciso de olhar para as pessoas pessoas. De ver gente e sabê-las gente. Mesmo que não saiba o que esperam nem o que as consola. Nem tão pouco ao que aspiram. Mas que não seja ao unto. Espero que não.
Numa lógica tortuosa poderia dizer coitado de mim, porque os untuosos untam e sempre vingam. Há sempre maneira. E eu…Bem, eu… Nada. Não há lugar para as palavras. Às vezes nem em mim próprio. Vejo as ruas, cheias de gente, que passa, uns muito atarefados, outros, como eu, em passo de passeio, só vendo. Penso em quantas pessoas naquele momento pensam. Coitado de mim que penso, enquanto os untuosos untam e vingam. Aqueles risos serão talvez de escárnio. Não há lugar para pensadores. Muito menos para os pensadores pelintras.