terça-feira, 19 de maio de 2015

Da ingratidão e outras coisas

Deveria, talvez, agradecer a todas aquelas criaturas que, passando pela minha vida, a fizeram negra. Deveria mesmo. Aos que me magoaram; aos que me traíram; àqueles que me enganaram; aos que se aproveitaram da minha boa vontade; aos que estendi a mão uma e outra vez e me voltaram costas quando já não era preciso ou então quando eu próprio precisei duma mão. Aos que perdoei para voltar a ser enganado novamente. Aos que fingiram ser meus amigos. Aos que fingiram gostar de mim, sei lá com que propósito. Deveria, certamente, agradecer a todas essas criaturas. Sim, o meu muito obrigado. Foi graças a todos vós que me tornei a pessoa que sou hoje. Continuo, talvez ainda, demasiado crente na bondade do género humano. Terei de dar razão ao senhor Hobbes que, por ser inglês, como comentou certa vez um amigo, nunca se fiou muito nessa conversa dos franceses acerca da bondade natural do homem. Este comentário faz-me sempre rir. Por eu próprio, muito embora não em demasia, também crer qualquer coisa na bondade natural do homem. Ao menos, pela esperança no género humano. Homo homini lupus. Apesar dessa minha ainda pequena crença, quase já só uma centelha, sou hoje muito mais cauteloso, desconfiado e cínico, quanto às intenções dos outros. Muito obrigado pelo vosso excelso contributo.
Claro, há um reverso desta moeda. É a natureza das coisas. Há sempre um reverso. Tornei-me igualmente frio, insensível (não tanto) e mordaz. Profundamente pragmático. O preço que pago, diariamente, por este status quo é estar sozinho. E com gosto. Obviamente que há uma parte pessoal, só minha, a contribuir para isto. Somos sempre nós e a nossa circunstância (meu Deus, que saudades da boa Filosofia). E eu não sou excepção. Vós, a circunstância (ou parte dela). Eu, a minha parte. Ambos fizémo-nos a mim próprio.
Estar sozinho é, já o disse muitas vezes, uma escolha (consciente e muito pensada) e um privilégio. Tenho a subida honra de estar comigo próprio e não impingir o tamanho do meu Ego a mais ninguém. Porventura, seria penoso para os circunstanceantes. Tornei o meu Eu uma fortaleza. Não é fácil afrontar-se a isso. Assim, sigo sozinho, moldado por traições, desilusões, desapontamentos, quebras de confiança, ingratidão (ah, tanta!) e também, ainda, por sonhos, aspirações e desejos que me pro-jectam.
Sou Eu. Eu e a minha circustância. Perdoarão os meus reduzidíssimos leitores, a matiz tão profundamente filosófica de hoje. Anima-me, contudo, saber que o número de pessoas que lerá estas palavras é tão pouca, que muito poucos consternará. Lamento, mas é assim. Seria um Leviathan, propriamente, não fosse enfiar este meu Eu num espartilho de bom-senso e usos e costumes e padrões e convenções sociais e legais mais ou menos estabelecidas. Pois ainda bem que os há. Seríamos todos uns monstros de proporções animalescas não fosse assim. Eu em confronto perene, bellum omnium contra omnes. Talvez por isso me pergunte: se Eu, moldado por tanta desilusão provocada por tanto safardana que me tem passado na vida, sou capaz da contenção própria do viver em sociedade, uns com os outros (goste-se ou não), como não são os outros submetidos a estes jugos tão imponentes? Como pode aceitar-se a violência gratuita e malvada entre adolescentes, no que agora se chama bullying?...
Há tanta coisa que eu poderia descrever agora... E há tanta coisa que eu queria ver metida nestas cintas sociais que nos permitem viver em sociedade. Mas falo só nesta. Se agora, que ainda sois tão pequeninos, e em que tudo vos é entregue em bandeja de prata, tudo facilidades na vida, sem qualquer espécie de contrariedade, ocupais o vosso bendito tempo a humilhar os outros, a molestá-los e a violentá-los, quando mais tarde vos aparecerem pela frente as criaturas que vos hão-de fazer a vida num inferno, que fareis? Matá-los todos? Pois sim. Talvez seja.
E depois?
Homo homini lupus.
Obrigado aos ingratos pela inspiração por estas palavrinhas.
Obrigado aos pacientes, que foram gentis o suficiente para me lerem hoje.

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