domingo, 10 de julho de 2011

In memoriam

Cheirei um manjerico. Foi casual, sem querer ou fazer por isso. Passei pelo friso onde está um, pus a mão e cheirei. Lembrei-me imediatamente de ti, querida Avó. Há muitas coisas que me fazem lembrar de ti.Quase tudo, na verdade. Estranho que hoje tenha sido um manjerico. Gostavas de manjericos. De flores. Lembrei-me de estarmos no quintal, eu muito pequeno, e tu a teceres ramos de rosmaninho em coroas de flores. Chamavas-lhes capelas. Umas coroas pequenas, à medida da minha cabeça, bem seguras com linha, que não se via, feitas do rosmaninho que o Avô trazia, não sei de onde. Era pequeno demais para ir com ele. Depois dizias “Pronto”, eu punha-a na cabeça e andava por ali aos saltos. “Dá cá, para logo à noite”. Logo à noite era noite das fogueiras. As capelas serviam para queimar nas fogueiras, depois de andarmos com elas na cabeça. Não sei dizer para quê. Explicaste, por certo. Eu é que já me não lembro. Talvez qualquer coisa de casamentos…
Quase todas as minhas memórias, sobretudo da infância, têm a ver contigo ou com o Avô. Lembro-me das coisas mais tontas. Das mousses de chocolate sem haver frigorífico para as solidificar. “Fazemos de conta”. E sabia bem! Do carro da polícia, marca Pepe, a imitar os antigos carochas da Polícia, que fazia um chinfrim enorme pelo soalho da sala… Nem uma só vez me mandaste parar. Mesmo que aquilo te pusesse doida. Acho que ser Avó deve ser isso. Abnegação. É uma palavra estranha para dizer das avós e dos avôs. Mas dizem que a avó é mãe duas vezes. Não creio que possa haver amor maior. Portanto, abnegação adequa-se.
Já faz quase um mês que partiste. Não sei porque raio de razão havemos de dar tanta importância à divisão deste tempo. Uma semana, quinze dias, um mês, seis meses, um ano, dois, três, quatro…muitos anos. Missas. Uma por cada marca. O bom Deus tem tanto trabalho… Como se uma semana, quinze dias, um mês, o que seja, representasse um alívio. Ou então mais um lamento. Um dia sem ti já é demais. Mas somos assim. Precisamos de compartimentar. E enquanto compartimentamos vamos pegando nas coisas e tirando delas memórias. Lembranças. Às vezes risos, que não vêm sem uma lágrima, que se limpa apressadamente, antes que ela tome conta daquele ritual de memórias e nada mais nos reste senão o choro. Parece que limpa. Que alivia. Talvez. A mim não. Alivia-me apenas o que já não pode ser.
Não me lembrava já de que doía tanto o luto. Podia pensar-se que agora, já homem feito, não havia de ser tão custoso. Mas é. Afinal, quando fazemos luto, é sempre a primeira vez. Porque sempre que nos parte alguém, é alguém.
Tempo. Esse curandeiro sorrateiro da vida. Ele é que há-se ser a bengala. Pena que demore tanto. E que o choro o vença tantas vezes antes da batalha ganha.
Obrigado, querida Avó. Direi de ti que gastaste a vida a amar os teus.
Até sempre. Bem sabes que te guardo comigo.
Descansa em paz. Ámen.