quinta-feira, 5 de setembro de 2013

As melgas, a Comporta e a Manta Rota

De entre as hordas de insectos e criaturas várias que assolam este mundo, e que muito embora tenham o seu papel bem definido na complexidade da Natureza, ainda que pareçam existir somente para nos aborrecer, não haverá porventura uma que seja mais chata e aborrecida e inconveniente e nefasta do que a melga. E se uma melga tem o verdadeiro poder de tirar a paciência a um santo, o que fará uma quantidade delas, atacando em bando incautos e despreocupados transeuntes. Parece ter sido este o fenómeno mais marcante do verão. Uma verdadeira calamidade, a forma como as melgas enxamearam (enxameam?) as pessoas. Foi-o seguramente para a vítimas, perseguidas impiedosamente por essas sanguinárias criaturas. Felizmente foi um problema contido. Não se estendeu de norte a sul. Ficou ali por Loulé ou coisa que o valha, para grande lamento de quem lá decidiu ir a banhos ou de quem queria ver mitigada a magreza dos seus negócios. Não prejudicou, felizmente, as férias na Manta Rota ou outras de similar importância, nem tão pouco interferiu nas brincadeiras na Comporta, onde a moda parece ser brincar aos pobrezinhos. Seria, na verdade, trágico que houvesse melgas, uma que fosse, que achasse bem ir imiscuir-se nesses campos de férias. Não seria de bon ton, ali onde as pessoas se entretiveram com banhos e tardes preguiçosas, idas ao mercado, sestas em telheiros ou em casinhas de telhados de colmo e coisas assim. Melgas não. Mosquitos, infelizmente, parece que houve. Nada é perfeito, nem no mundo hippie-chique.
Foi divertido podermos ter estes episódios para nos divertir durante a silly season. Para nos distrair da nossa vida, dos problemas, das avaliações da Troika, do segundo resgate, do conflito na Síria, do País a arder, da morte dos bombeiros... De tudo aquilo que parece ficar suspenso da existência durante estes diazinhos.
Setembro, porém, faz-nos entrar em choque com a realidade. Seria óptimo podermos continuar entretidos com o conjunto de disparates que encheu os noticiários de agosto. Até os comentadores se viram na necessidade de fazer longos tratados acerca dos inconvenientes das melgas; das férias dos membros do governo; dos lapsus linguae das madames na Comporta ou das extravagâncias de certas festas de aniversário e subsequente entrevista em horário nobre. Tudo da maior importância, como facilmente se percebe. Mas não, não pode ser. Setembro mal começou e já só se fala da iminência da guerra na Síria, que pode muito bem ser o rastilho para uma coisa de maior monta, mas para o qual ninguém parece importar-se muito; das avaliações da Troika, que ninguém sabe muito bem o que chegam a ser; do segundo resgate, mais do que provável; da desgraça e do rasto de morte e sacrifício dos bombeiros; de tantos outros episódios que não cabem aqui.
Ah, que saudades das tardes preguiçosas de agosto, onde parece não chegar a mundanidade. Parece que foi à muito tempo... Setembro tem esta característica de nos trazer de volta à vida de todos os dias. Sem direito a mais episódios revigorantes nas estâncias balneares. Já se consegue sentir a azáfama das escolas, lentamente a retomar o ritmo, enquanto os pais fazem contas. Já se retoma a lida de todos os dias, levantar e ir para o emprego e correr, para depois regressar à tarde ou à noite, para no dia seguinte voltar ao mesmo. Até os campos, cansados do calor, querem já umas gotas de chuva. E a noite é já mais quieta, mais silenciosa, à espera da queda das folhas, de passos miudinhos na chuva, da brisa mais fresca...
Uma coisa nos pode confortar: não poderemos, porventura, entreter-nos mais em brincadeiras. Isso decerto que não. Aliás, parece-me que andamos a brincar à muito tempo, não apenas no verão. Não pode mesmo ser mais. Mas as melgas hão-de começar a desaparecer. Resta saber até quando.