De entre as hordas de
insectos e criaturas várias que assolam este mundo, e que muito
embora tenham o seu papel bem definido na complexidade da Natureza,
ainda que pareçam existir somente para nos aborrecer, não haverá
porventura uma que seja mais chata e aborrecida e inconveniente e
nefasta do que a melga. E se uma melga tem o verdadeiro poder de
tirar a paciência a um santo, o que fará uma quantidade delas,
atacando em bando incautos e despreocupados transeuntes. Parece ter
sido este o fenómeno mais marcante do verão. Uma verdadeira
calamidade, a forma como as melgas enxamearam (enxameam?) as pessoas.
Foi-o seguramente para a vítimas, perseguidas impiedosamente por
essas sanguinárias criaturas. Felizmente foi um problema contido.
Não se estendeu de norte a sul. Ficou ali por Loulé ou coisa que o
valha, para grande lamento de quem lá decidiu ir a banhos ou de quem
queria ver mitigada a magreza dos seus negócios. Não prejudicou,
felizmente, as férias na Manta Rota ou outras de similar
importância, nem tão pouco interferiu nas brincadeiras na Comporta,
onde a moda parece ser brincar aos pobrezinhos. Seria, na verdade,
trágico que houvesse melgas, uma que fosse, que achasse bem ir
imiscuir-se nesses campos de férias. Não seria de bon ton,
ali onde as pessoas se entretiveram com banhos e tardes preguiçosas,
idas ao mercado, sestas em telheiros
ou em casinhas de telhados de
colmo e coisas assim. Melgas não. Mosquitos, infelizmente, parece
que houve. Nada é perfeito, nem no mundo hippie-chique.
Foi divertido podermos
ter estes episódios para nos divertir durante a silly season.
Para nos distrair da nossa vida, dos problemas, das avaliações da
Troika, do segundo resgate, do conflito na Síria, do País a arder,
da morte dos bombeiros... De tudo aquilo que parece ficar suspenso da
existência durante estes diazinhos.
Setembro, porém,
faz-nos entrar em choque com a realidade. Seria óptimo podermos
continuar entretidos com o conjunto de disparates que encheu os
noticiários de agosto. Até os comentadores se viram na necessidade
de fazer longos tratados acerca dos inconvenientes das melgas; das
férias dos membros do governo; dos lapsus linguae das madames
na Comporta ou das extravagâncias de certas festas de aniversário e
subsequente entrevista em horário nobre. Tudo da maior importância,
como facilmente se percebe. Mas não, não pode ser. Setembro mal
começou e já só se fala da iminência da guerra na Síria, que
pode muito bem ser o rastilho para uma coisa de maior monta, mas para
o qual ninguém parece importar-se muito; das avaliações da Troika,
que ninguém sabe muito bem o que chegam a ser; do segundo resgate,
mais do que provável; da desgraça e do rasto de morte e sacrifício
dos bombeiros; de tantos outros episódios que não cabem aqui.
Ah, que saudades das
tardes preguiçosas de agosto, onde parece não chegar a mundanidade.
Parece que foi à muito tempo... Setembro tem esta característica de
nos trazer de volta à vida de todos os dias. Sem direito a mais
episódios revigorantes nas estâncias balneares. Já se consegue
sentir a azáfama das escolas, lentamente a retomar o ritmo, enquanto
os pais fazem contas. Já se retoma a lida de todos os dias, levantar
e ir para o emprego e correr, para depois regressar à tarde ou à
noite, para no dia seguinte voltar ao mesmo. Até os campos, cansados
do calor, querem já umas gotas de chuva. E a noite é já mais
quieta, mais silenciosa, à espera da queda das folhas, de passos
miudinhos na chuva, da brisa mais fresca...
Uma coisa nos pode
confortar: não poderemos, porventura, entreter-nos mais em
brincadeiras. Isso decerto que não. Aliás, parece-me que andamos a
brincar à muito tempo, não apenas no verão. Não pode mesmo ser
mais. Mas as melgas hão-de começar a desaparecer. Resta saber até
quando.