segunda-feira, 17 de abril de 2017

Fátima, Torremolinos e as claques de futebol

Ando algo arredado da escrita. Não propositadamente. Apenas porque é assim, pelo menos comigo. Nunca fui capaz de escrever por atacado ou porque tem de ser. Admiro a disciplina de quem o faz e consegue fazer quase livros à la carte. A mim, a escrita nunca me veio por horários nem por calendário. Isto acontece-me assim, mesmo que assunto não falte, como é o caso... Tanta coisa a acontecer, em tantos campos e vertentes... Tanta coisa a despertar a vontade de escrever... Talvez porque a minha vida não dependa disso (com o sucesso monetário do que escrevo, já teria morrido de fome!) ou então, melhor, porque me sinto mais instrumento das palavras do que autor delas. Vão surgindo, devagar, suscitadas por qualquer coisa, boa ou má, e vão ficando, pairando até, à espera que possam tomar forma real, objectiva, e eu as possa escrever, num exercício subjectivo e objectivo ao mesmo tempo. Uma visão delas, que vão fazendo a sua aparição, ante o meu esforço intelectual e de raciocínio de as escrever.
Vem isto a propósito do artigo do Expresso, em entrevista ao Doutor Anselmo Borges, insigne filósofo e pensador, e que também é padre. Nela acaba por, de forma desempoeirada, questionar a compreensão comum do fenómeno de Fátima. A conversa vinha a propósito da crítica, melhor, do espírito crítico (ou falta dele) e da forma como a Igreja (em maiúsculas porque estou a referir-me à instituição) lida mal com ele. É precisamente o espírito crítico (e não a falta de fé) que lhe permite fazer a distinção extraordinária entre a aparição (objectiva) de Maria em Fátima e a visão (subjectiva) que os pastorinhos tiveram em Fátima, ou seja, a forma como vivenciaram uma experiência pessoal de fé. Assim, é perfeitamente possível “ser um bom católico e não acreditar em Fátima, porque não é um dogma”. Permito-me citar a entrevista do Expresso (16/04/1017), para dizer isto: não se nega o fenómeno de Fátima, note-se, põe-se em causa a objectividade da aparição em contraponto com o que poderá ter sido uma vivência pessoal (uma visão) de fé daquelas crianças, no contexto e nos paradigmas da época.
Nada para mim poderia fazer mais sentido. Talvez porque, eu próprio, fui depurando a minha forma de crer em Deus (fé) de roupagens, religiosidades, preconceitos, ideias feitas e, porventura, controladas, apenas para tentar chegar a um conceito de Deus com o qual me sinta confortável, depois de ter passado (e passar) dificuldades na vida nas quais Deus não teve, absolutamente, nenhum papel. Percebi que, por mais que rezasse, ou pedisse, ou firmemente acreditasse e me abstivesse de determinadas coisas ou comportamentos, nada mudaria. As coisas aconteceriam exactamente como tinham que acontecer; os problemas estariam aí para resolver; as dificuldades não desapareceriam; as pessoas de que gosto e me fazem falta, foram morrendo à mesma. A religião responde-me que nada disso era suposto ter acontecido de outra forma; o que mudaria com as minhas preces fervorosas seria o não sentir-me sozinho. Deus estaria comigo, caminharia comigo, partilhando o meu sofrimento e tornando-o suportável. Durante um tempo, isso bastou. Foi deixando de bastar, à medida que se sucediam (e sucedem), uns após outros, episódios tristes, de sofrimento, de perda, de dificuldades, de desemprego... De muitas vezes, procurei ajuda na oração. De nenhumas tive resposta. Percebi (fui percebendo), que não é Deus que está errado. Sou eu. Eu é que precisei de depurar o meu conceito de Deus; a forma como ele se poderá expressar na minha vida e a maneira como eu hei-de relacionar-me com ele. Hoje temos uma relação de mútuo respeito. Ele faz a vida dele; eu a minha. Não duvido em nada da sua existência. Mas não mudo a minha, por causa disso. Esta depuração, trabalho em contínuo aperfeiçoamento, sempre mutante com as circunstâncias da vida, a reflexão, o espírito crítico e teológico (sim, também tenho!), o contexto do mundo em que vivemos, permite-me este conceito de Deus com que me sinto confortável e no qual a religião ocupa um lugar verdadeiramente marginal. Nem eu estou inteiramente certo e todos os outros errados; nem os outros certos e eu errado. Também aqui há uma subjectividade própria de uma vivência pessoal.
Tenho já dito que escrever é expôr-se, em alguma medida. O texto de hoje é claramente uma exposição, íntima, revelando um pedaço do turbilhão em que o meu raciocínio se move. Neste caos, há sentido para mim. Há, no entanto, alguma segurança neste expôr-me, porque o número de pessoas que lerá é francamente irrelevante e, para os que lêem, o que lhes importa é o gosto por ler o que eu escrevo e nada podia ser mais circunstancial do que a minha experiência pessoal.
As redes sociais, sobre as quais me debrucei à tão pouco tempo (veja-se, por exemplo, o texto do dia dos namorados) são pródigas e rápidas nos comentários. Tenho lido coisas absolutamente incríveis sobre a entrevista do Doutor Anselmo Borges, também padre. Atrevo-me a dizer que a maioria desses comentários provém de pessoas que não passaram além do título ou, então, passando, não entenderam nada do que leram. E isso é triste. É verdade que os espíritos críticos, dotados de muita inteligência, nem sempre são compreendidos. Normalmente não o são. Seja porque escrevem ou falam com categorias semânticas e de raciocínio pouco usuais para o dia-a-dia, seja porque o seu pensamento e a forma como o expressam requer que, ao ler, se utilize realmente a inteligência. Enfim, a liberdade de opinião é algo bonito e desejável, mesmo que seja de pessoas que têm tanta dificuldade em lidar com o espírito crítico e em aceitar uma opinião diversa ou abrir o seu pensamento e o seu raciocínio à novidade e à diferença. É exactamente isto que o Papa Francisco tem feito e é exactamente por isto que o seu discurso é pouco aceite e tem tanta dificuldade em entrar numa certa parte do catolicismo moderno, e não apenas na Igreja institucional. É uma pena ver que há cristãos leigos que continuam com as janelas encerradas ao mundo, um bocadinho à maneira do espírito anti-moderno do século XIX e do Papa Pio IX... E é também exactamente por isto que o Papa Francisco tem tanta aceitação fora da Igreja. A mudança está aí. Somos seres resistentes à mudança, por natureza. Mas ela acontece, apesar disso. Adaptarmos-nos a ela ou não é o desafio. A forma como escolhermos, definirá as pessoas que queremos ser.
A propósito da liberdade de opinião não poderia ficar de fora desta reflexão o fenómeno das claques do futebol, de que tanto se tem falado, por causa do mau-gosto na escolha das frases com que vituperam nos jogos. É bem sabido, entre os que me conhecem, que eu não gosto de futebol. Isso dá-me uma certa capacidade de ver além das rivalidades e olhar para o futebol como aquilo que ele realmente é: um jogo. De emoções, de rivalidades, de milhões de euros, envolvido num sub-mundo, mais ou menos delinquente e quase marginal, de apostas, de drogas, de negócios por baixo da mesa, trocas de influências, insultos, galhardetes, pressões... a coordenar uma parte significativa disto as claques, legalizadas ou não, dirigidas por indivíduos na sua maior parte com cadastro, sem qualquer outra ocupação profissional. Fazem ainda parte desta “machina” enxames de comentadores e fazedores de opinião, em todos os canais, que vão difundindo determinadas ideias em detrimento de outras; veiculando certas formas de estar, pensar e agir e construindo verdadeiras correntes de opinião. O terreno fértil para tudo isto: uma massa adepta socialmente transversal e culturalmente multiforme, com uma característica comum: o amor pelo seu clube e o ódio pelo outros. A escolha das palavras não é ao acaso. Amor e ódio. Eis o que define o fenómeno do futebol, no meu entendimento. Um fenómeno sócio-cultural, julgo que mal estudado pela sociologia e pela psicologia, em muitos casos assumindo uma forma de relação com os adeptos que ronda a experiência religiosa, quase vivencial... Um jogo cercado por um autêntico polvo. No cerne de tudo isto duas coisas: as somas inimagináveis de dinheiro que movimentam esta máquina e que a máquina faz movimentar e, num núcleo mais pequenino, os jogadores, figuras semi-heróicas ou endeusadas, pagas a peso de ouro, literalmente. Poderá ser uma visão redutora; para um adepto convicto, será por certo uma visão horrífica, mas para mim, muito evidente, tentando ser tão imparcial quanto as circunstancias que tecem a minha visão sobre o assunto permitem. É certo que este fascínio pelo jogo, mormente pelo jogo de rivalidades, tem acompanhado a humanidade ao longo da História. Escuso-me de exemplos, deixando-os para um estudioso mais abalizado. Muito gostaria de ler um tratado académico sobe o assunto... É certo também que o poder político, épocas fora, tem aproveitado esse gosto peculiar da humanidade, servindo-se dele, acicatando-o por vezes, alimentando-os por outras, colhendo dele grandes dividendos. A nossa época, contudo, porventura por ter sido esvaziada da maior parte das referências ancestrais, está esfomeada de coisas que lhe deêm sentido e respostas e caminhos... De coisas que possam canalizar a dicotomia do amor/ódio, que a Igreja, em tempos idos, controlou, mas cujo papel há muito está esquecido.
Ora, não há coisa que mexa mais com as emoções do que um desafio de futebol. Para os adeptos, evidentemente, e que são, atreveria a dizer-me, a larga maioria das pessoas. Há, portanto, um vasto campo de oportunidades para o jogo. As últimas décadas parecem ter sido fecundas na forma como os múltiplos vectores que controlam o polvo que rodeia o jogo têm oferecido aos adeptos verdadeiras experiências de satisfação pessoal, conquistando-os, quase sem esforço, para alimentar a enormíssima “machina” do jogo, colhendo, entre outros, os frutos do seu amor/ódio. É aqui, neste campo, que entram as claques, recolhendo, sobretudo esse ódio, exacerbando-o ao ponto do ridículo e, mais do que isso, do irracional. Só isso explica as letras (se se pode chamar letras) daqueles urros que vão soltando nos jogos, verdadeiros gritos de ódio, e que a mim me lembram os relatos feitos pelos escritores antigos do que seriam os gritos de desafio entre forças antes dos combates, insultando-se mutuamente, procurando a desestabilização e a quebra do moral, provocando no outro lado, as mesmas invectivas ou piores. O fenómeno, trazido à escala do que hoje assistimos, é exactamente o que se passa. Insultos, verdadeiramente ofensivos, sem qualquer barreira moral ou ética, visando a provocação gratuita e até, quem sabe, a violência. A uns, respondem outros, numa escalada irracional mas, porventura, bem pensada e com um objectivo perverso por detrás. Abre-se aqui campo para a discussão na violência no mundo do futebol, verbal e física, uma outra vertente que acompanha este jogo. Ganha, assim, não a melhor equipa, mas a equipa mais bem preparada psicologicamente para aguentar este jogo e aquela que tiver a melhor máquina a abrir-lhe caminho. Para mim, este ano, isso é muito evidente. Há uma equipa que vai em primeiro e outra que lhe quer passar à frente. Usa, para tanto, todos os artifícios, sendo que o que passa no jogo de futebol propriamente dito é o menos importante, uma vez que, como já sabem muito bem, o estado de alma dos jogadores, pressionados por múltiplas forças e condicionados por diversas vertentes deste jogo, nomeadamente pelo trabalho das claques e dos fazedores de opinião, é que ditará o resultado: a derrota virá se forem capazes de desestabilizar suficientemente o adversário em campo e instilar neles a incapacidade para ganhar ou o sentimento de inferioridade. Isto, mais que a qualidade técnica e táctica, é que, hoje, determina o jogo, sobretudo, nas fases finais dos campeonatos, onde tudo parece valer. Tenho acompanhado, por exemplo, a estratégia de um outro clube, completamente arredado da possibilidade de ganhar o campeonato mas que nutre pelo clube que vai à frente um autêntico ódio irracional, que ultrapassa qualquer rivalidade desportiva que a razão possa compreender: a estratégia tornou-se a desestabilização daquele adversário por todos os meios possíveis, fazendo uso inclusivé de ferramentas ridículas, levantando questões que sabe, muito bem e à partida que não vão ter prosseguimento, mas aventando-os e tentando provocar um contínuo clima de polémica, na expectativa da quebra psicológica do adversário. Se acontecer, será para este clube, a derradeira vitória: a humilhação do adversário, quebrando a sua psiqué e provando ter uma “machina” mais eficaz. Há muito que o futebol dos dias de hoje se deixou de jogar nos campos.
Poderíamos pensar, eu no meu bom-senso pensaria, que os clubes quereriam demarcar-se desta realidade. O facto é que, não só não se demarcam como fazem vista grossa, facilitando estas realidades oficial ou oficiosamente. A questão não está em saber se as claques devem estar ou não legalizadas. A discussão deve ser que tipo de futebol queremos e se as claques, quaisquer que sejam e da forma como se organizam, têm lugar num futebol limpo... Dificilmente veremos esta discussão. Ganhar tornou-se o único objectivo, competir é quase irrelevante. Para ganhar, far-se-á o que for preciso.
Vamos assistindo, mais ou menos, impotentes, a este clima crispado, que perpassa todo o mundo, neste momento um pouco à deriva, tudo na expectativa do que pode acontecer, dependendo do que o senhor Trump decidir fazer. Percebeu, não sem uma boa dose de “espírito americano”, que as suas falhas como Presidente ponderado e para quem os seus concidadãos e o resto do mundo olham, podem ser colmatadas (ou, pelo menos, esbatidas) pela força, desviando o olhar para a panela de pressão que é o mundo. Mostrou, simplesmente, que não tem medo de utilizar as armas e a força que tem. Pode concordar-se ou não. Não consigo ainda, neste momento, perceber os efeitos que esta posição traz. Será, porventura, este o maior perigo dos populismos vazios: fazer coisas aparentemente justificadas, que talvez outros gostassem de fazer mas não têm coragem para fazer ou não podem, sem conseguirmos perceber onde é que esses actos de aparente justificação nos podem levar. Além disso, dogma número um do populismo, quando as coisas não correm como se promete ou não se consegue cumprir o que se prometeu (provavelmente por ser inverosímil ou porque os outros não percebem a grandeza do pensamento populista e colocam entraves que se olham como absurdos), nada melhor do que criar um outra questão onde a superioridade do que somos ou de quem somos basta para se afirmar, sem mais força de argumentos.
Uma última palavra para o hotel em Torremolinos e a questão dos finalistas. Não me alongarei. Tome-se um grupo de adolescentes em idade de se emanciparem; retirem-se do seu ambiente e da supervisão das figuras a que estão habituados e que têm como autoridade; lancem-se num ambiente propício, sem este entrave, com bebida e drogas à descrição e com a ideia já pré-feita de que, naquela viagem, tudo é possível. Juntem-se outros factores essenciais desta questão, como sejam as agências de viagens e o seu papel; as eleições das associações de estudantes ou das comissões de finalistas; o factor económico das centenas de milhares de euros que estes eventos geram... O que se espera? Um grupo de peregrinos?... Todos nós já vimos, melhor ou pior, imagens destas “viagens” na televisão... Eu, que tenho a desdita de viver num local que tem um dos maiores festivais de verão, já vi ao vivo coisas indescritíveis... Deito-me, apenas, a indagar: rituais de emancipação?... Diversão?... Limites?... “Viagens” de finalistas?...
Também aqui há muito terreno fértil para se discutir e reflectir. E também aqui, dificilmente, veremos esta reflexão feita.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Sobre o amor e outras coisas

        O Dia dos Namorados é daquelas datas que nos entraram na vida mercê do marketing, de influência estrangeira ou por força das omnipresentes e omnipotentes redes sociais. Celebram-se os namorados, lembrando, parece, a figura do bispo Valentim, que no século III desafiou o édito do imperador Cláudio proibindo os casamentos, como forma de forçar os solteiros a alistar-se no exército. Ou, então, celebrando outro Valentim qualquer, que parece não haver falta deles por esses séculos fora. Ainda assim, não obstante tão ilustres inícios, nunca foi uma coisa de muita expressão (para mim, pelo menos), celebrar o dia dos namorados e apelar ao Cupido (uma referência para os menos religiosos e dados aos mitos), não fosse a enorme pressão do marketing, fustigando com publicidade e promoções os consumidores, verdadeiras vítimas do Cupido, tal qual acontece noutras datas. Vivemos num tempo em que dificilmente haverá dia no calendário que não seja dia de qualquer coisa. Na verdade, todos são dias de qualquer coisa. São únicos e irrepetíveis, muitas vezes negligenciados e tantas outras vividos no desespero único de que aquele dia acabe, sem nos apercebermos que jamais voltaremos a ter a experiência daquele dia.
Compreendo o esforço do marketing. Deveras que compreendo. Vender tornou-se o paradigma do nosso tempo. Tudo é visto em função do ganho/perda. O que não compreendo é a alucinação colectiva que parece tomar conta das pessoas, como se o dia disto ou daquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Na verdade, parece-me pouco que o namoro se celebre só um dia. Ou a saúde, as árvores, o ambiente, a água, a mãe, o pai, os avós... Que se escolha só um dia para ser do não-fumador... Claro, as datas surgirão para se chamar a atenção para determinadas ocasiões ou problemas... Certo. Mas o amor, que os namorados celebram, não é de todos os dias? Talvez devesse ser. Porque o amor é que funda e dá sentido às coisas, esteja-se ou não apaixonado, viva-se ou não um namoro. O melhor tratado que conheço sobre o amor resume-se numa frase de Agostinho de Hipona: Ama e faz o que quiseres. Simples assim.
Ando a aprender sobre o amor há muito tempo. Sobre ele têm escrito, ao longo do tempo, tão longe como a própria História, filósofos, teólogos, sociólogos, psicólogos, poetas, romancistas... Todos errados. E todos certos. Mas não passam (nem poderiam) de muletas, bengalas pequenas sobre as quais podemos apoiar-nos para fazer o nosso próprio caminho. Porque o amor não pode ensinar-se. Cada um ou aprende o amor por si próprio, ou não ama. Não se ama com palavras de outros. Deixem, portanto, de lado as citações fofinhas, os cartõezinhos medíocres, os postaisinhos pindéricos e amem. O amor, mais do que dizer-se, faz-se, cada um o seu e a seu modo, no seu tempo e na sua vida, seja num cheiro, numa palavra dita ou no silêncio de conversas caladas, ditas entre olhares cúmplices... Ama-se a saber esperar, a ser feliz hoje se a pessoa amada vier amanhã, na delícia da expectativa, como “O Principezinho”... Ama-se a pessoa toda inteira, como ela é, sem querermos mudar nela nada que a desvirtue... Ama-se quando se anseia pelo cheiro do cigarro mesmo quando não se fuma e se detesta o cheiro... Ama-se quando no silêncio, sem palavras, dois seres estão todos, inteiros, um com o outro, mesmo quando longe. Não se ama sem primeiro se aprender a estar sozinho, perdendo o medo da solidão. Não se ama sem primeiro perceber que amar dói, muitas vezes.
Para nada disto as citações piegas nos alertam. Ama, e faz o que quiseres. Ama todos os dias. Amanhã não poderás amar como hoje.
Feliz Dia dos Namorados.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O Benfica, a Padaria e o senhor Trump na era dos comentadores

    Hoje as parangonas e as notícias de abertura do telejornal (meia-hora! vi eu,) tinham que ver com a derrota do Benfica. As redes sociais, esse grande veículo de tudo e todos, sem crivos, contenções de alguma espécie ou comum bom-senso, verdadeiros baluartes tanto da liberdade de expressão como da mais absoluta falta de respeito mútuo, empolgaram a coisa a níveis de absurdo, com manifestações exuberantes dos adeptos de clubes rivais, mesmo daqueles desde há muito afastados da competição, como se fossem eles próprios já vencedores, apenas e só pela derrota daquele clube. Nada de espantar, portanto, visto que o futebol é jogo de paixões. Jogo verdadeira e propriamente, porquanto se move e se alimenta numa teia de emoções, conversações e confabulações que têm em vista o ganho de muitos milhões, numa realidade de contraste gritante com a dos seus comuns adeptos. Ilusão de massas, servindo-se delas para fazer negócio à custa das exacerbadas emoções e devoções dos adeptos mais vivaços e doentios, alimentando verdadeiros ódios irracionais e viscerais contra adeptos de clubes rivais, tirando das derrotas destes mais prazer (ás vezes quase orgásmico) do que das conquistas do próprio clube. Estas são, muito resumidamente, as razões pelas quais jamais conseguirei entender o futebol e o considero uma excelente ferramenta de distração das massas. Muitos políticos o perceberam e, alguns, aplicaram-no com mestria, tornando-o parte duma famosa tríade dos três ff, noutros tempos... Mas adiante.
    Preocupa-me que o futebol seja mais distração, desviando a atenção para o acessório, para deixar escapar ou tapar em cortinas de gritos irracionais os verdadeiros problemas. Felizmente para nós, criaturas pouco dadas à análise do quotidiano, temos miríades de comentadores, de todos os quadrantes e de todos os campos possíveis e imaginários, para nos iluminar e esclarecer as mentes, verdadeiros protectores do cidadão despreocupado que, tendo que fazer alguma coisa pela vida para receber o ordenadito ao fim do mês, não se pode dar ao luxo de passar dias a fio a comentar assuntos, tentar fazer escola deles, influenciar opiniões e comentar os comentários que entretanto lhes fazem a eles próprios. Haja, pois, respeito, por estes verdadeiros servidores da causa pública, tal o seu empenho em esclarecer-nos a todas as horas e a qualquer pretexto, sobre tudo e qualquer coisa. Devia até, acho, ser considerada profissão e ser-lhes atribuído subsídio do erário público, tal o seu indispensável papel, mormente para aquelas pessoas que, tendo acabado o seu tacho, perdão, a sua colaboração ou comissão em determinado lugar ou cargo, se veêm agora investidos do poder e da capacidade de comentar. Não tardará a que nos substituam também na capacidade de pensar... Assistimos a uma autêntica ditadura dos comentadores, muito a par com a das redes sociais (e financeira, com as agências de rating, mas isso são outros quinhentos), em que se formam reais correntes de opinião, pelas quais é bom tom afinar e sem as quais não se chega a lado nenhum. Há sempre algum comentador que tece um pequeno comentário ou achega para corrigir este ou aquele comportamento do político ou do governante tal que, até está a fazer muito bem e desempenha muito bem o seu papel, mas seria melhor se... E os políticos ou governantes lã vão moderando isto ou aquilo para ver se calha bem... Governa-se a bel-prazer das opiniões e com o intuito do que melhor parece. Um bocadinho ao estilo daquele senhor eurodeputado que opina que o Presidente da República exagera no apoio ao Governo e portanto deve moderar-se... Ou outro fulano que acha que o Presidente da República excede as suas funções... Ou outro ainda que comenta que o Presidente deve fazer assim ou assado. Eu não sei. Nunca fui Presidente da República. E, portanto, o que eu acho ou deixo de achar não é mais que a minha opinião e não me passaria pela cabeça pôr-me a mandar recados ao homem sobre o que ele deve ou não deve fazer... Mas isto sou eu, que me lembro de na escola me terem falado dum tipo chamado Wittgenstein que achava que do que não se pode falar não há senão que calar... Ou qualquer coisa assim do género. Quanto mais não seja, por boa educação. Coisa que vai faltando... Apetece perguntar: Vossa Exª já foi Presidente da República? Foi eleito para o ser? Ah, não... Então... É que senão passamos todos a vida a discutir coisas de lana caprina. Ou então a arranjar polémicas novas como esta agora da Padaria Portuguesa e do Daniel Oliveira.
     Só ontem é que me dei conta desta questão que abalou os fundamentos laborais deste país e incendiou, claro está, as redes sociais, despoletando muito mais opiniões verrinosas do que a derrota do Benfica. Já li a opinião da Porteira, daquela página soberba da Criada Mal-Criada, que para mim é opinião de valor e consulto sempre nestas questões de tão difícil discernimento. Depois dei-me ao trabalho de ir ver a entrevista do homem, ler o comentário do Daniel Oliveira e ler a entrevista no Expresso. Ficou-me da escola esta mania de ir às fontes em vez de me segurar nos comentários. Enfim, como diz um amigo, o que me vale é ter a quarta classe... Não concordo com o homem, não senhor. Nalgum do conteúdo e muito menos na forma como desfia as sua posições. Confesso-me até amedrontado com a ideologia de pensamento por detrás daquelas opiniões. Para mim, seria impensável defender que a “flexibilidade” como ele a entende traria salários maiores. Que trabalhar 60 horas em vez de 40 (desde que as pessoas o quisessem, ressalva sempre) traria benefícios às pessoas, que levariam mais dinheiro para casa. Que a “rigidez” laboral (as regras que definem o trabalho) são um entrave à progressão das pessoas (colaboradores) e das empresas (achei curioso que se refira à sua empresa como “organização”) e que muitos dos seus colaboradores já têm outros part-time ou mesmo full-time (?) e que prefeririam ter um horário mais alargado na própria empresa, em vez da empresa ter custos muitos elevados com horas extraordinárias... Confrontado com a pergunta com a eficácia do trabalho em termos de produtividade em tantas horas seguidas, entende que o estudo da OIT que defende que o trabalho semanal com mais de 50 horas não é saudável, refere que essa é uma abordagem empírica, tal como é a sua (admite) ao achar que as pessoas são capazes de trabalhar mais de 40 semanais. Obviamente que são. São e, não raro, é o que acontece. Isto não quer dizer, contudo, que seja desejável. Em nenhum momento se fala de salário justo ou da justeza da remuneração auferida. Nunca se questiona porque razão as pessoas estão dispostas a trabalhar as tais 60 horas ou a ter outros trabalhos. Pois bem, no meu empirismo não é porque querem; estão dispostas porque precisam. Ou seja: o que ganham no seu trabalho a full-time não é suficiente para viverem. A solução, parece-me, não é trabalhar mais horas mas sim receber melhor, de uma forma mais justa e adequada. Nunca se fala em momento algum do que estender as horas de trabalho legalmente faria às outras dimensões do humano. Que lugar teria a família, a vida social e privada, o divertimento, o lazer, o cultivo pessoal?... Nada disso é, sequer, aflorado. Uma opinião focada em dois polos: o crescimento da organização/produtividade e a necessidade de flexibilidade. Ainda assim, isso mesmo. Uma opinião. A sua. Tem direito a ela. E aqui está o problema. Não se pode pedir ao gerente da Padaria os seus pontos de vista sobre o assunto e depois arrasar o homem sem mais. Claro que a sua opinião seria a do empregador! Outra coisa não seria de esperar. Não há opiniões assépticas, desprovidas da circunstância de cada um. O homem é sempre ele e a sua circunstância. Claro que a sua opinião atenta apenas em determinados pontos de vista (os do seu interesse e da sua visão). Claro que o seu argumentário é fácil de desmontar. Claro que tem vícios (alguns graves). Claro que temos de parar de andar com esta coisa da produtividade para justificar os salários baixos... Ou alguém acredita que o salário mínimo ou seja o que for perto disso motiva alguém a produzir mais?... Além disso, quando se atenta em estudos e artigos e tabelas e estatísticas, parece que, por cá, não se trabalha menos horas ou dias que nos outros países... produz-se menos. Porque será? Será de se ganhar pouco?... SERÁ?... Pois, não sei. Tal como nunca fui Presidente da República, nunca fui economista. Mas que a mim me parece que pagar ás pessoas um salário adequado ás suas necessidades as vai motivar a produzir mais, isso parece.
     Mas pronto, o homem tem direito à sua opinião, tanto mais que lhe perguntaram. Não concordo, não senhor... E talvez não tenha sido a melhor estratégia comprar uma briga entre comentadores... E as coisas que diz das pessoas que leêm o Daniel Oliveira... Se a isso juntarmos outros pequenos comentários que faz sobre a forma como as pessoas gastam o seu dinheiro... Bom. Fica o conselho: mesmo quando temos razão (nunca se está completamente errado ou certo, não é verdade?), não devemos dizer tudo o que nos vem à cabeça. Além disso, a Padaria não deve ser o paraíso laboral que parece transparecer da entrevista, ou então, doutro modo, seria dificílimo que houvessem vagas por preencher e não é o caso. Pelo menos, nos sites de procura de emprego, lá aparecem... Tínhamos aqui pano para mangas se quiséssemos continuar a esmiuçar a entrevista e o pensamento do gerente da Padaria, que diz de si ser padeiro.
     O que nos vale nesta panóplia complexa do nosso pequeno mundo, é o senhor Trump, esse sim um verdadeiro patriota. Ele e o bibelôt que arranjou a servir de primeira-dama. Se alguém tem dúvidas quanto ao papel da criatura na vida e acção daquele senhor, basta ver as imagens e verificar o à vontade com que a senhora se movimenta... Enfim... trumpices. Veremos o que dá. Pior do que a Padaria não há-de ser. Bom, como também não sou comentador, já me calo, que a conversa vai longa. Ah, para acabar: esta é a minha opinião. Quem gosta, gosta, quem não gosta, está servido, à boa maneira dum croissant ou de um pãozinho com manteiga, tudo com muita flexibilidade e produtividade.