domingo, 18 de março de 2012

As abelhas

O Abacílio andava magro. Sem tostão. Arreliado com a vida, com o país, com a troika, com as dívidas. Acabara-se-lhe a esperança. Era o rosto de uma geração perdida. No fulgor da vida, bem preparada, bem estudada e nula. Completamente dependente da caridade dos pais. Já nem o zapping o entretinha. Precisava de desopilar, mas não sabia que fazer. Para onde se virasse, era a tristeza, a desilusão, o desencanto pela própria vida. Faltando o trabalho, tudo lhe faltou. Andava aziado por causa daquela história da luz agora ter de se ir pagar à loja dos chineses. E, pelo andar da carruagem, não há-de ser só a luz. Continuava aborrecido por não ter podido ir falar aos deputados. Enchia-se de tédio só de pensar naquelas discussões intermináveis, numa política feita de manchetes de jornais e notícias de última hora. Quem seria mais nulo? Ele, improdutivo numa sociedade que o preparou e depois não lhe dá trabalho, ou os deputados, ocupados na lã caprina, toda ela muito bem disfarçada de assuntos prementes? E as nomeações?... Que dor de cabeça para o Abacílio pensar em tanto tacho...
Resolveu entregar-se aos clássicos. A leitura havia de consolá-lo e tirá-lo desta cisma depressiva que o dilacerava por dentro. Andava ele assim entretido, entre tomos aristotélicos, escritos platónicos e peças sofoclianas, quando lhe veio às mãos uma revista, que era do vizinho, mas que o carteiro erradamente pusera na sua caixa de correio. Lá foi, solícito, entregá-la ao dono, quando reparou num dos títulos da capa: “Abelhas em risco de desaparecer”. Já tinha ouvido falar daquilo. Parece que as abelhas andam a morrer. Aguçou-se-lhe a curiosidade. O bom vizinho anuiu a que lesse, pelo que voltou para trás, entregue à leitura do artigo das abelhas. Lá se explicava que as abelhas estão a morrer aos poucos, mas de modo constante, de tal forma que já se teme que desapareçam de todo. Aquilo deu-lhe que pensar, a ele, que não dispensava a sua colher de mel em jejum, todos os dias, receita da sua Avó. “Oh diabo”...disse, a cofiar o queixo como convém aos entendidos. “E se agora se acaba o mel?” Naturalmente, pensou e bem, se se acaba o mel vai-se tudo. Não pelo mel, ele próprio, claro está, mas por causa da falta que aqueles insectozinhos fazem.
Sem polinização, já se vê. É o fim.
Andou a pensar naquilo uns dias. Depois veio-lhe à cabeça que por cá, já se acabou o mel. Andam agora as abelhinhas sem alimento. Poisam, poisam, mas como não chove, também não há néctar com que encher as patitas, e assim definha a colmeia. Quem seria o glutão que comeu todo o mel? Quem foi, que deixou as abelhinhas tontas de fome? De fome e desorientação, por faltar agora com que encher o papinho? Ah, se ele soubesse...
O que lhe vale, é atentar como os senhores bem-postos andam agora todos preocupados com as abelhas. Enquanto assim for, Portugal está safo. E ele pode alimentar esperanças de ver o sol brilhar. Pena que não seja para todos.
Pelo sim pelo não, foi à dispensa. Lá estava, na prateleira de cima, um frasco de mel. Ao menos isso.