sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O Benfica, a Padaria e o senhor Trump na era dos comentadores

    Hoje as parangonas e as notícias de abertura do telejornal (meia-hora! vi eu,) tinham que ver com a derrota do Benfica. As redes sociais, esse grande veículo de tudo e todos, sem crivos, contenções de alguma espécie ou comum bom-senso, verdadeiros baluartes tanto da liberdade de expressão como da mais absoluta falta de respeito mútuo, empolgaram a coisa a níveis de absurdo, com manifestações exuberantes dos adeptos de clubes rivais, mesmo daqueles desde há muito afastados da competição, como se fossem eles próprios já vencedores, apenas e só pela derrota daquele clube. Nada de espantar, portanto, visto que o futebol é jogo de paixões. Jogo verdadeira e propriamente, porquanto se move e se alimenta numa teia de emoções, conversações e confabulações que têm em vista o ganho de muitos milhões, numa realidade de contraste gritante com a dos seus comuns adeptos. Ilusão de massas, servindo-se delas para fazer negócio à custa das exacerbadas emoções e devoções dos adeptos mais vivaços e doentios, alimentando verdadeiros ódios irracionais e viscerais contra adeptos de clubes rivais, tirando das derrotas destes mais prazer (ás vezes quase orgásmico) do que das conquistas do próprio clube. Estas são, muito resumidamente, as razões pelas quais jamais conseguirei entender o futebol e o considero uma excelente ferramenta de distração das massas. Muitos políticos o perceberam e, alguns, aplicaram-no com mestria, tornando-o parte duma famosa tríade dos três ff, noutros tempos... Mas adiante.
    Preocupa-me que o futebol seja mais distração, desviando a atenção para o acessório, para deixar escapar ou tapar em cortinas de gritos irracionais os verdadeiros problemas. Felizmente para nós, criaturas pouco dadas à análise do quotidiano, temos miríades de comentadores, de todos os quadrantes e de todos os campos possíveis e imaginários, para nos iluminar e esclarecer as mentes, verdadeiros protectores do cidadão despreocupado que, tendo que fazer alguma coisa pela vida para receber o ordenadito ao fim do mês, não se pode dar ao luxo de passar dias a fio a comentar assuntos, tentar fazer escola deles, influenciar opiniões e comentar os comentários que entretanto lhes fazem a eles próprios. Haja, pois, respeito, por estes verdadeiros servidores da causa pública, tal o seu empenho em esclarecer-nos a todas as horas e a qualquer pretexto, sobre tudo e qualquer coisa. Devia até, acho, ser considerada profissão e ser-lhes atribuído subsídio do erário público, tal o seu indispensável papel, mormente para aquelas pessoas que, tendo acabado o seu tacho, perdão, a sua colaboração ou comissão em determinado lugar ou cargo, se veêm agora investidos do poder e da capacidade de comentar. Não tardará a que nos substituam também na capacidade de pensar... Assistimos a uma autêntica ditadura dos comentadores, muito a par com a das redes sociais (e financeira, com as agências de rating, mas isso são outros quinhentos), em que se formam reais correntes de opinião, pelas quais é bom tom afinar e sem as quais não se chega a lado nenhum. Há sempre algum comentador que tece um pequeno comentário ou achega para corrigir este ou aquele comportamento do político ou do governante tal que, até está a fazer muito bem e desempenha muito bem o seu papel, mas seria melhor se... E os políticos ou governantes lã vão moderando isto ou aquilo para ver se calha bem... Governa-se a bel-prazer das opiniões e com o intuito do que melhor parece. Um bocadinho ao estilo daquele senhor eurodeputado que opina que o Presidente da República exagera no apoio ao Governo e portanto deve moderar-se... Ou outro fulano que acha que o Presidente da República excede as suas funções... Ou outro ainda que comenta que o Presidente deve fazer assim ou assado. Eu não sei. Nunca fui Presidente da República. E, portanto, o que eu acho ou deixo de achar não é mais que a minha opinião e não me passaria pela cabeça pôr-me a mandar recados ao homem sobre o que ele deve ou não deve fazer... Mas isto sou eu, que me lembro de na escola me terem falado dum tipo chamado Wittgenstein que achava que do que não se pode falar não há senão que calar... Ou qualquer coisa assim do género. Quanto mais não seja, por boa educação. Coisa que vai faltando... Apetece perguntar: Vossa Exª já foi Presidente da República? Foi eleito para o ser? Ah, não... Então... É que senão passamos todos a vida a discutir coisas de lana caprina. Ou então a arranjar polémicas novas como esta agora da Padaria Portuguesa e do Daniel Oliveira.
     Só ontem é que me dei conta desta questão que abalou os fundamentos laborais deste país e incendiou, claro está, as redes sociais, despoletando muito mais opiniões verrinosas do que a derrota do Benfica. Já li a opinião da Porteira, daquela página soberba da Criada Mal-Criada, que para mim é opinião de valor e consulto sempre nestas questões de tão difícil discernimento. Depois dei-me ao trabalho de ir ver a entrevista do homem, ler o comentário do Daniel Oliveira e ler a entrevista no Expresso. Ficou-me da escola esta mania de ir às fontes em vez de me segurar nos comentários. Enfim, como diz um amigo, o que me vale é ter a quarta classe... Não concordo com o homem, não senhor. Nalgum do conteúdo e muito menos na forma como desfia as sua posições. Confesso-me até amedrontado com a ideologia de pensamento por detrás daquelas opiniões. Para mim, seria impensável defender que a “flexibilidade” como ele a entende traria salários maiores. Que trabalhar 60 horas em vez de 40 (desde que as pessoas o quisessem, ressalva sempre) traria benefícios às pessoas, que levariam mais dinheiro para casa. Que a “rigidez” laboral (as regras que definem o trabalho) são um entrave à progressão das pessoas (colaboradores) e das empresas (achei curioso que se refira à sua empresa como “organização”) e que muitos dos seus colaboradores já têm outros part-time ou mesmo full-time (?) e que prefeririam ter um horário mais alargado na própria empresa, em vez da empresa ter custos muitos elevados com horas extraordinárias... Confrontado com a pergunta com a eficácia do trabalho em termos de produtividade em tantas horas seguidas, entende que o estudo da OIT que defende que o trabalho semanal com mais de 50 horas não é saudável, refere que essa é uma abordagem empírica, tal como é a sua (admite) ao achar que as pessoas são capazes de trabalhar mais de 40 semanais. Obviamente que são. São e, não raro, é o que acontece. Isto não quer dizer, contudo, que seja desejável. Em nenhum momento se fala de salário justo ou da justeza da remuneração auferida. Nunca se questiona porque razão as pessoas estão dispostas a trabalhar as tais 60 horas ou a ter outros trabalhos. Pois bem, no meu empirismo não é porque querem; estão dispostas porque precisam. Ou seja: o que ganham no seu trabalho a full-time não é suficiente para viverem. A solução, parece-me, não é trabalhar mais horas mas sim receber melhor, de uma forma mais justa e adequada. Nunca se fala em momento algum do que estender as horas de trabalho legalmente faria às outras dimensões do humano. Que lugar teria a família, a vida social e privada, o divertimento, o lazer, o cultivo pessoal?... Nada disso é, sequer, aflorado. Uma opinião focada em dois polos: o crescimento da organização/produtividade e a necessidade de flexibilidade. Ainda assim, isso mesmo. Uma opinião. A sua. Tem direito a ela. E aqui está o problema. Não se pode pedir ao gerente da Padaria os seus pontos de vista sobre o assunto e depois arrasar o homem sem mais. Claro que a sua opinião seria a do empregador! Outra coisa não seria de esperar. Não há opiniões assépticas, desprovidas da circunstância de cada um. O homem é sempre ele e a sua circunstância. Claro que a sua opinião atenta apenas em determinados pontos de vista (os do seu interesse e da sua visão). Claro que o seu argumentário é fácil de desmontar. Claro que tem vícios (alguns graves). Claro que temos de parar de andar com esta coisa da produtividade para justificar os salários baixos... Ou alguém acredita que o salário mínimo ou seja o que for perto disso motiva alguém a produzir mais?... Além disso, quando se atenta em estudos e artigos e tabelas e estatísticas, parece que, por cá, não se trabalha menos horas ou dias que nos outros países... produz-se menos. Porque será? Será de se ganhar pouco?... SERÁ?... Pois, não sei. Tal como nunca fui Presidente da República, nunca fui economista. Mas que a mim me parece que pagar ás pessoas um salário adequado ás suas necessidades as vai motivar a produzir mais, isso parece.
     Mas pronto, o homem tem direito à sua opinião, tanto mais que lhe perguntaram. Não concordo, não senhor... E talvez não tenha sido a melhor estratégia comprar uma briga entre comentadores... E as coisas que diz das pessoas que leêm o Daniel Oliveira... Se a isso juntarmos outros pequenos comentários que faz sobre a forma como as pessoas gastam o seu dinheiro... Bom. Fica o conselho: mesmo quando temos razão (nunca se está completamente errado ou certo, não é verdade?), não devemos dizer tudo o que nos vem à cabeça. Além disso, a Padaria não deve ser o paraíso laboral que parece transparecer da entrevista, ou então, doutro modo, seria dificílimo que houvessem vagas por preencher e não é o caso. Pelo menos, nos sites de procura de emprego, lá aparecem... Tínhamos aqui pano para mangas se quiséssemos continuar a esmiuçar a entrevista e o pensamento do gerente da Padaria, que diz de si ser padeiro.
     O que nos vale nesta panóplia complexa do nosso pequeno mundo, é o senhor Trump, esse sim um verdadeiro patriota. Ele e o bibelôt que arranjou a servir de primeira-dama. Se alguém tem dúvidas quanto ao papel da criatura na vida e acção daquele senhor, basta ver as imagens e verificar o à vontade com que a senhora se movimenta... Enfim... trumpices. Veremos o que dá. Pior do que a Padaria não há-de ser. Bom, como também não sou comentador, já me calo, que a conversa vai longa. Ah, para acabar: esta é a minha opinião. Quem gosta, gosta, quem não gosta, está servido, à boa maneira dum croissant ou de um pãozinho com manteiga, tudo com muita flexibilidade e produtividade.