Abacílio andava
preocupado. Era pelo Carnaval. Preocupado com os festejos,
atormentava-se por não ter máscara. Não sabia de que se mascarar.
Andando pela rua, assim angustiado, viu uma loja pequenina, mas muito
arranjadinha, toda cheia de luzes e cores, com balões à porta e
meninas bonitas ao balcão. Vendiam-se ali máscaras de Carnaval!
Entrou afoito, animado com a perspectiva de ali poder encontrar a sua
máscara para o cortejo.
Olhou, olhou, passeou e revirou, mas
nada. Umas porque eram grandes, outras porque eram pequenas; umas por
serem feias, outras porque serem iguais às de toda a gente, certo é
que nenhuma agradava ao Abacílio.
Veio então uma
vetusta senhora, muito elegante, de sorriso branco e modos
portentosos. Trazia nas mãos uma máscara. Era perfeita! Toda ela à
medida, bem proporcionada, de feições robustas, medonha quanto
baste. Tudo o que se quer numa máscara. Brilharam os olhos de
Abacílio, enquanto a velha senhora lhe estendia a máscara.
“De que é? De
que é?”, perguntava sem se conter. A velha senhora segredou-lhe ao
ouvido, e ele riu a bom rir, feliz por ter a sua máscara. Saiu a
correr, depois de pagar, claro está, que Abacílio era jovem mas era
honesto. Era cara. Mas podia pagar a prestações. Em cinco anos pela
moeda antiga, ou em três, e amortizações por mais uns quantos, na
moeda de agora.
Aprumou-se a
rigor, colocou a sua máscara nova e lá foi.
A rua já
fervilhava de gente, tudo mascarado. Ouvia-se o riso e os guinchos
deliciados dos mais pequenos. Chegou ao corso. Toda a gente admirava
a máscara nova do Abacílio. Ele cumprimentava os demais e ia
passando, inchado de vaidade: “Eu cá, tenho uma máscara de
doutor!”
“De doutor!”,
exclamavam os foliões.
Não tardou muitos
que toda a gente o cercasse, a admirar a máscara. Juntaram-se e
juntaram-se, tantos foliões que não se contavam.
Chegaram, por fim,
os amigos e conhecidos de Abacílio, também eles a rigor. Qual não
foi o espanto do Abacílio, ao ver que os amigos traziam também uma
máscara igual à sua. Pudesse ver-se-lhe a cara e estaria mais
branca que a máscara, agora descorada e sem brilho.
“Ó Abacílio,
de que é a tua máscara?”
“É de doutor”,
respondeu com voz sumida.
“A minha é de
engenheiro.”
“A minha de
técnico.”
“E a minha de
empregado qualificado”.
“Pois a minha, é
de colaborador”, disse, emproado um dos amigos.
“Qual
colaborador, qual carapuça. Pois se são todas iguais!”, exclamou
o Abacílio. “Raio da velha. Se a apanho! Custou-me esta merda
cinco anos!”
“A minha três.
Mas com juros e amortizações.”
Os foliões
começaram a rir-se.
“Ó rapazes,
deixem-se disso. Então vocês não vêm que estão todos mascarados
de igual?”
“Pois isso
vemos. Só não sabemos é de quê…”
“De parvos,
senhores. E de parvos escravizados!
“Ai o raio da
velha, que nos enganou a todos!”, exclamou o Abacílio. “Ó
malta! Às favas para o corso. Vamos mas é atrás da velha”.
E puseram-se em
debandada, com o Abacílio de máscara em punho, a pedir os cinco
anos de volta. Atrás dele, os amigos, e atrás dos amigos a multidão
dos foliões. Todos bradavam à velha.
Correram a bom
correr e só pararam quando já não tinham fôlego. Da velha nem
sinal. Ia um desfile a passar. Carros bonitos, bem decorados, gente
bem vestida e anafada. Todos perdidos de riso. A encimar o desfile ia
a velha, num trono. Toda ela de cetim e madrepérola. Acenou-lhes com
aquele sorriso branco e untuoso.
Eles bem fizeram
menção de a perseguir, mas havia muita gente a proteger o corso.
Eram gordos, enormes mesmo, bem juntos em fileira, e os foliões não
conseguiam passar. Dos carros, os bem-postos puseram-se a perguntar
quem era aquela gente.
“São os
parvos”, respondeu a velha. E todos gargalharam, bem-postos e
gordos, todos num conluio. “Velha senhora”, gritou um dos
bem-postos, “atira-lhes com notas de 500, que os acalma”.
“Está bem. Mas
uma por mês. Só uma!” E riram e riram. Passava o corso, e os
foliões ali parados não podiam senão olhar.
“Ó Abacílio”,
gritou um dos bem-postos, “de que te mascaras?”
“De parvo”.
Ai que parvos. Que
parvos que nós somos!
Fim da festa.
Nota: Este mesmo texto foi publicado aqui o ano passado, pelo Carnaval, sob o título "A Máscara de Abacílio".Uma vez que a sátira a que alude ainda se mantém, aqui fica de novo, para acicatar consciências e arrancar sorrisos.