(...) continuação
A acrescentar a estas dificuldades, o
modelo social em que existimos padece do problema da credibilidade.
Tomemos como hipótese a situação em que alguém, conhecido
futebolista e modelo, lança uma linha de roupa interior masculina.
Faz um anúncio publicitário em que, a par da forma física, exibe a
roupa que pretende vender. Acontece que alguém alvitra a
possibilidade daquele rabo que aparece no anúncio não ser o dele. A
possibilidade apenas. Logo se apressa a pessoa a afiançar que sim
senhor, é mesmo o rabo dele. Criou-se, no entanto, a dúvida. E esta
faz tremer as previsões de vendas. A isto se chama instabilidade dos
mercados, provocada pela falta de credibilidade ou confiança. No
nosso modelo social em análise, o problema é exactamente o mesmo:
não andam os senhores políticos, financeiros, economistas e restante
pessoal técnico e de assessoria certamente preocupados com o rabo do
Beckham. Mas andam muito preocupados com a instabilidade dos mercados.
A razão é simples: o nosso sistema social standardizado alberga um
modelo económico falido (sem respostas, sem soluções, sem
possibilidade de dar a volta à situação em que se encontra). Mas
por qualquer razão insiste-se nele, de tal forma que se tomam no
campo político medidas, que depois serão postas em prática por
técnicos sem responsabilidade política, e se abrem portas a que se
prolongue a agonia deste sistema moribundo, afundando com ele todo o
tecido social, com benefício, contudo, dos mesmíssimos mercados que
criam a própria instabilidade, lançando eles mesmos previsões e
alvitrando possibilidades de que, nesta ou naquela ocasião, serão
ou não cumpridos determinados compromissos, normalmente pagamentos,
que é a linguagem universal e transversal a todos os sistemas
integrantes do sistema global em que vivemos. Não importa se esses
compromissos vão ou não ser cumpridos, note-se. Basta aventar
possibilidades. E nelas, lançar ao lixo sociedades inteiras.
Eis aqui como se domina o mundo hoje. E
eis também como ele está tão próximo de se perder. E temos hoje
novamente o espectro da guerra, a juntar ao da exclusão social, da
fome, das lutas raciais, do desemprego que corrompe verdadeiramente a
realização pessoal do indivíduoo na sociedade.... Somos um modelo
social em colapso. Resta saber se o homem superará este momento. Se
será maior que ele. Ou se soçobrará ante o peso dos padrões, das
regras, das formas e a pressão dos fortes, que lutam ainda por
subsistir neste modelo decadente. E o que resultará?...
Pois, não sei.
A primeira pergunta deveria ser, antes
do que resultará, quem beneficiará?... Houvesse quem respondesse, quem
se pusesse a pensar, quem limpasse o raciocínio de tantas formas e
modelos e padrões e regras e ideologias gastas e ocas e talvez,
talvez, se afigurasse um caminho. Houvesse quem fosse maior do que si
próprio, quem se orgulhasse daqueles que representa, quem se
esmerasse pela busca do melhor e do mais justo e talvez, talvez
houvesse um caminho. Mas não. Estamos na era do depois do vazio.Já
passou o moderno, o pós-moderno e até o hipermoderno... Agora é a
era dos extremismos. Da irracionalidade barata e cruel. A era dos
mercados financeiros. É a era da política sem inteligência. A era
dos políticos tecnicizados. Queria políticos que lessem Thomas
More... Ou então outra coisa qualquer... Mas que lessem. E
pensassem...Ah, o difícil acto de pensar...Tão fácil, e tão
difícil.
Mas enfim, nem tudo está perdido. Bo
esquadrinha alegremente os campos da Casa Branca em busca dos ovos
pintados da Páscoa; o querido líder da Coreia vai fazendo uns
ensaios nucleares; o Comandante venezuelano foi-se para influenciar
no céu a escolha dum papa argentino; na Europa os senhores
reunem-se para evitar o inevitável e lidar com o mal comportando
Chipre... E por cá, tudo se adia para depois da Páscoa. Vamos
comendo o folar enquanto o temos. Depois? Depois veremos. A nossa
desgraça é esta mesmo: uns ou outros, todos da mesma medianidade
insuportável e bafienta.
Só o pobrezinho português deseja
sossego. Mas ninguém lho dá.
E, pasme-se! Era mesmo o rabo do
Beckham. Ele há coisas...