domingo, 24 de março de 2013

Os ovos da Páscoa de Bo, o rabo de Beckham e os mercados financeiros (I)

O modelo social em que vivemos hoje é, em larga medida, feito de coisas standard. Vivemos de acordo com certas regras, com certos padrões definidos, com certas formas de estar e agir e onde se espera que em determinadas alturas da vida se faça isto ou aquilo. É uma maneira de estruturar a sociedade. Na verdade, nós os que vivemos hoje, concretamente, tivémos muito pouco a dizer sobre esta forma de fazer. É assim e pronto. A vida em sociedade seria, na verdade, completamente impossível não fossem as regras, os padrões, os usos, as leis que moldam e peiam cada indivíduo, pegando nele desde o berço e modelando-o, de tal modo que viva na sociedade que já encontrou e possa nela realizar-se como pessoa, indivíduo e membro do conjunto social alargado em que vive, contribuindo também para a sua melhoria. De certo modo, há um tolher da liberdade individual, embora sacrificada para proteger o próprio indivíduo e para o inserir na sociedade onde tem de fazer a sua vida. O indivíduo deixado à solta, sem regras, modos, modelos ou padrões, seria bestial. Lobo de si mesmo, se pegarmos no conceito de Hobbes.
O problema da standardização é precisamente quando falha. Ou então quando alguém, conscientemente, percebe que o modelo em que se espera que viva não corresponde à sua própria essência como pessoa. Dito de outra forma, quando alguém percebe que será mais feliz vivendo de outro modo. No plano puro das liberdades, esta seria uma situação perfeitamente legítima. Dum certo ponto de vista, até desejável, na medida em que os modelos sociais, quaisquer que sejam, não conseguem realizar plenamente todos os indivíduos, e necessitam constantemente de aperfeiçoamento e de maturação e, claro, de mudança. Não pode haver mudança se não houver discordância. Mas, no plano concreto da vida, esta é exactamente o tipo de situação que cria atritos. E donde nascem fenómenos como racismo, xenofobia, o bullying e coisas mais do género. A razão disto é a incapacidade para a diferença. O embaraço de ter de lidar com a situação de alguém que não está em plena concordância com o que seria de esperar. E isso assusta. E lança dúvidas. Naturalmente, é muito mais fácil adoptar uma postura de rejeição do que de inclusão da diferença. São muitas as razões para isso, mas é fácil constatar que perante alguém diferente a primeira reacção é de afastamento. Têm sido, felizmente, muitos os esforços no sentido de promover a diferença. E gradualmente a diferença consegue subsistir. Não tanto por ser aceite, mas por ser tolerada. A razão disto é que a inclusão dos que foram ficando “à margem” não faz parte do nosso modelo social. É um apêndice, que foi necessário adoptar para conviver com as várias diferenças: alguém que tem um qualquer problema de saúde; que nasce com uma deficiência; que é gordo quando deveria ser magro, baixo quando deveria ser alto, fraco quando deveria ser forte... Ou alguém que escolhe não constituir família, ou constitui-la de forma diferente... São muitas, muitas as situações que vão mostrando a necessária adaptabilidade dos sistemas de sociedade, perante a legitimidade e o direito de ser diferente sem ser proscrito ou marginalizado por isso. E de cada vez que alguém é maltratado por fazer ou ser diferente, regride-se no processo civilizacional e acentua-se a necessidade, que é constante, de promover a diferença como realmente parte da sociedade.
Evidentemente, a utopia é precisamente esta: uma sociedade baseada num modelo social em que os indíviduos se possam realizar plenamente como pessoas e como parte de um todo, de acordo com a sua própria essência.
Imaginemos agora um modelo social onde a standardização assenta na premissa base de que a sociedade se divide entre fracos e fortes. E em que todo o modelo social cresce e se alimenta em torno desta premissa. Imaginemos ainda que há não uma sociedade a viver deste modelo, mas o mundo inteiro, devido não apenas ao factor globalização, mas à força dos mercados financeiros e das instituições ou pessoas que os controlam.
Tomemos isto como real, e teremos uma descrição sumária, porventura simplista, ainda que verdadeira, da nossa própria e concreta sociedade, à escala global. Ora a situação em que vivemos, e que habitualmente chamamos de “crise”, advém precisamente da falha deste modelo standard, seja porque os fracos se cansaram de ser fracos, ou seja, muito provavelmente, porque os fortes esvaziaram de tal forma os fracos, que estes já não conseguem sustentar os fortes. Não há mais por onde. Há, portanto, aqui uma verdadeira crise, no sentido literal da palavra: uma ruptura. Urge, pois, repensar todo o modelo social. Não apenas o económico. Porque uma economia não pode subsistir sem pessoas. Aliás, ela existe para as pessoas. Correndo o risco de contradizer os economistas que acham que os historiadores não servem para nada, aqui vai: economia: do grego "oeconomia", que quer dizer “regras da casa”, numa tradução mais livre. Significa isto que a economia serve para o bem gerir da casa. Nesta vertente, a economia é uma ciência social, ou seja, que se desenvolve e fomenta na sociedade. Se não houver sociedade, também não há economia. E se os cientistas da economia escutassem, ou melhor ainda, lessem, os cientistas da sociedade, talvez se abstivessem de aberrações académicas que transformam as pessoas em cobaias de ensaio. Outro grave problema trazido pela crise.     
(...) continua

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