terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Carnaval dos Parvos

Abacílio andava preocupado. Era pelo Carnaval. Preocupado com os festejos, atormentava-se por não ter máscara. Não sabia de que se mascarar. Andando pela rua, assim angustiado, viu uma loja pequenina, mas muito arranjadinha, toda cheia de luzes e cores, com balões à porta e meninas bonitas ao balcão. Vendiam-se ali máscaras de Carnaval! Entrou afoito, animado com a perspectiva de ali poder encontrar a sua máscara para o cortejo.
Olhou, olhou, passeou e revirou, mas nada. Umas porque eram grandes, outras porque eram pequenas; umas por serem feias, outras porque serem iguais às de toda a gente, certo é que nenhuma agradava ao Abacílio.
Veio então uma vetusta senhora, muito elegante, de sorriso branco e modos portentosos. Trazia nas mãos uma máscara. Era perfeita! Toda ela à medida, bem proporcionada, de feições robustas, medonha quanto baste. Tudo o que se quer numa máscara. Brilharam os olhos de Abacílio, enquanto a velha senhora lhe estendia a máscara.
“De que é? De que é?”, perguntava sem se conter. A velha senhora segredou-lhe ao ouvido, e ele riu a bom rir, feliz por ter a sua máscara. Saiu a correr, depois de pagar, claro está, que Abacílio era jovem mas era honesto. Era cara. Mas podia pagar a prestações. Em cinco anos pela moeda antiga, ou em três, e amortizações por mais uns quantos, na moeda de agora.
Aprumou-se a rigor, colocou a sua máscara nova e lá foi.
A rua já fervilhava de gente, tudo mascarado. Ouvia-se o riso e os guinchos deliciados dos mais pequenos. Chegou ao corso. Toda a gente admirava a máscara nova do Abacílio. Ele cumprimentava os demais e ia passando, inchado de vaidade: “Eu cá, tenho uma máscara de doutor!”
“De doutor!”, exclamavam os foliões.
Não tardou muitos que toda a gente o cercasse, a admirar a máscara. Juntaram-se e juntaram-se, tantos foliões que não se contavam.
Chegaram, por fim, os amigos e conhecidos de Abacílio, também eles a rigor. Qual não foi o espanto do Abacílio, ao ver que os amigos traziam também uma máscara igual à sua. Pudesse ver-se-lhe a cara e estaria mais branca que a máscara, agora descorada e sem brilho.
“Ó Abacílio, de que é a tua máscara?”
“É de doutor”, respondeu com voz sumida.
“A minha é de engenheiro.”
“A minha de técnico.”
“E a minha de empregado qualificado”.
“Pois a minha, é de colaborador”, disse, emproado um dos amigos.
“Qual colaborador, qual carapuça. Pois se são todas iguais!”, exclamou o Abacílio. “Raio da velha. Se a apanho! Custou-me esta merda cinco anos!”
“A minha três. Mas com juros e amortizações.”
Os foliões começaram a rir-se.
“Ó rapazes, deixem-se disso. Então vocês não vêm que estão todos mascarados de igual?”
“Pois isso vemos. Só não sabemos é de quê…”
“De parvos, senhores. E de parvos escravizados!
“Ai o raio da velha, que nos enganou a todos!”, exclamou o Abacílio. “Ó malta! Às favas para o corso. Vamos mas é atrás da velha”.
E puseram-se em debandada, com o Abacílio de máscara em punho, a pedir os cinco anos de volta. Atrás dele, os amigos, e atrás dos amigos a multidão dos foliões. Todos bradavam à velha.
Correram a bom correr e só pararam quando já não tinham fôlego. Da velha nem sinal. Ia um desfile a passar. Carros bonitos, bem decorados, gente bem vestida e anafada. Todos perdidos de riso. A encimar o desfile ia a velha, num trono. Toda ela de cetim e madrepérola. Acenou-lhes com aquele sorriso branco e untuoso.
Eles bem fizeram menção de a perseguir, mas havia muita gente a proteger o corso. Eram gordos, enormes mesmo, bem juntos em fileira, e os foliões não conseguiam passar. Dos carros, os bem-postos puseram-se a perguntar quem era aquela gente.
“São os parvos”, respondeu a velha. E todos gargalharam, bem-postos e gordos, todos num conluio. “Velha senhora”, gritou um dos bem-postos, “atira-lhes com notas de 500, que os acalma”.
“Está bem. Mas uma por mês. Só uma!” E riram e riram. Passava o corso, e os foliões ali parados não podiam senão olhar.
“Ó Abacílio”, gritou um dos bem-postos, “de que te mascaras?”
“De parvo”.
Ai que parvos. Que parvos que nós somos!
Fim da festa.

 Nota:  Este mesmo texto foi publicado aqui o ano passado, pelo Carnaval, sob o título "A Máscara de Abacílio".Uma vez que a sátira a que alude ainda se mantém, aqui fica de novo, para acicatar consciências e arrancar sorrisos.

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