sábado, 18 de setembro de 2010

Bolachas com mel

Hoje apeteceu-me comer bolachas com mel.
Esteve quente. Gosto do final do Verão. Quente, ainda, mas a mudança vem já no vento, não tão seco. E apesar do dia quente, está um tempo típico de fim de Setembro, que a mim me faz já pensar no frio. Dou-me sempre melhor com o frio.
Não sei por que razão me lembrei hoje das bolachas com mel. Normalmente quando está calor não me apetece. Mas hoje apeteceu-me. O mel e a geleia. As bolachas e o chá. Cheirou-me a Outono. Mas não sei porquê.
Uma pessoa pode afundar-se nos porquês das coisas.
Talvez fosse por causa das folhas amarelecidas já caídas no chão. Ou da brisa mais fresca e húmida. Ou talvez fosse antes do mel. Ou da geleia. Ou de tudo o que a minha memória associa a isso. Fiquei preso por um bocadinho em recordações antigas da cresta do mel. De andar de fumigador em punho, como se fosse uma espada contra as atordoadas abelhas, que ao mesmo tempo me enchiam de pavor e de espanto. E de chupar o mel dos favos... Mas não sei porquê. Talvez por me lembrar do fim do Verão.
Dei por mim sem saber qual dos porquês chegou primeiro. Se o de não saber porque me apeteceram bolachas e mel, se o de pensar no Outono, se o de me perder nas lembranças da recolha do mel.
Uma pessoa pode perder-se nos porquês. Como se estivessem todos enleados, de modo que quando se chega a um, logo aparece outro.
Deixei-me ir nas memórias e logo mudei o pensamento para a vida, porque as memóerias são afinal como os porquês, todas enleadas umas nas outras, como se fossem elas fios delicados todos misturados no pensamento, que ora puxa por esta, ora por aquela. Na minha vida. Cheguei rapidamente à lamúria habitual do “porquê?”. Mas tive medo de me afundar nele, e não permiti que fosse maior que as memórias que me contentavam.
Há muitos porquês sem resposta.
Às vezes penso em mim próprio como uma fraude. Como se chama alguém que tem tudo para vencer e acaba, invariavelmente, por ser um falhado? Culpei a vida. Culpei os outros. Culpei as pessoas que amava. Culpei Deus. Depois culpei-me a mim. Nunca tive resposta para os porquês. Só acho tudo tão... injusto.
Pensar que os outros também sofrem não é um consolo. É apenas parte da realidade. E do mundo como ele é. A fome também é injusta. A doença... Quantos porquês há na boca de doentes incuráveis? Ou na de pessoas que descobrem ter uma doença que lhes muda a vida? Num certo sentido, até a morte é injusta, porquanto põe fim á possibilidade de viver e de se concretizar de cada um...
Sempre que na TV se fala de algo realmente chocante (uma tragédia qualquer, mortes, guerras, fomes) ouço o meu Avô dizer “por isso o velho Saramago estava sempre a dizer «onde é que está o Deus?» Não sei quem era o velho Saramago. O meu Avô fala dele com uma certa admiração. “Onde é que está o Deus que permite estas coisas?” Sei que de cada vez que o meu Avô dizia aquilo, os meus cristianíssimos ouvidos tremiam de indignação pela quebra do 2º mandamento... Arrepiava-me “o Deus”. Ele dizia “o Deus” para que não houvesse qualquer dúvida de que era a Deus que se estava a referir. Não sei se diz aquilo só como citação ou se é já ele a dizer com as palavras do velho. A vida tirou-lhe demais para que não haja nele também uns quantos porquês e uma vontade de procurar respostas. Não é um homem religioso. E não tem medo das palavras. Diz o que pensa, não que isso seja sempre bom, como sei de própria experiência. Mas ele próprio não tem qualquer problema em ir pedir contas a Deus.
Dei por mim também a pedir contas a Deus muitas vezes. E também não sei porquê.
Há muitos porquês sem resposta. Pelo menos os meus. Uma pessoa pode afundar-se neles se não se acautela.
Tenho de contentar-me com as bolachas com mel, mesmo sem saber por que lembrei delas. Seria das folhas no chão? Ou só porque é fim de Setembro?
Dei por mim a pensar nelas. E a lambuzar-me de mel. Mas não sei porquê

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