sábado, 20 de outubro de 2012

Coitados deles


Dentre as espécies de pessoas que não suporto, os untuosos ocupam lugar especial. Os falsos, sim, também. Essa corja, que faz da perfídia uma coisa de trazer por casa e a usa com a mesma displicência e facilidade com que se muda de camisa ou se calça outro par de meias. Mas os untuosos... Há qualquer coisa neles de simplesmente odiável. Não sei se é aquela atitude submissa, enquanto empenham a sua inteligência e astúcia em tentativas de agradar a todo aquele que, mesmo remotamente, possa ser uma mais-valia. E num país de doutores...pfff, já se vê. Não, o negócio da graxa não pode ir mal. Haverá outros que sim. Os restaurantes, as lojas, os vendedores de toda a espécie, mesmo os que vendem coisas que não servem para nada mas que habilmente as vendem, porque criaram nos consumidores a ilusão de que são necessárias... Todos eles se veêm apertados pelo recuo do consumo.
Agora penso que o recuo do consumo pode não ser totalmente mau, se ajudar a que nos livremos das ilusões do consumo excessivo. Mas claro, é sempre mau porque resulta do empobrecimento forçado e não da livre vontade. Desde que nos convencemos de que comprar é necessário para viver, lançámo-nos num caminho que dificilmente acabará bem. E aqui reside o problema. Mas os untuosos. Coitados deles. Passam pela vida esquecendo-se dela, tão ocupados estão com a vontade de agradar. E no jogo de xadrez não passam de meros peões, jogados como os outros, uma casa de cada vez, embora convencidos de poderem a bel-prazer atravessar o tabuleiro inteiro. Haverá sempre alguém, cuidam, que dará o jeitinho. E por entre sorrisos tortuosos, lançam-se. Coitados deles. Como se a graxa com que se besuntam, a si e aos outros, os fizesse escapar por entre as gotas da chuva, os grãos de poeira dos caminhos. Ou se os cabelos das suas cabeças pudessem parar de cair ou passar pela vida sempre fazendo de outros bengalas, nunca pondo, eles próprios, os pés no chão. Mas o caminho, como se faz, se não se caminhar? São como corvos que sonham ser águias. Coitados deles. Detesto-os de verdade. Um homem que espezinha outro é ignóbil. Um homem que usa outro é parasita. Parasitas todos eles, cheios de mesuras, de vénias, de sorrisos falsos, de palmadinhas amigáveis, de conversas de ocasião… Para no momento certo fazerem dos vaidosos presas.
E de que vale? Pergunto-me a mim próprio de que vale. De que vale tanto unto? Porventura não virá, a seu tempo, reclamá-los a Morte? Claro, também poderia perguntar de que vale, afinal, seja o que for, com ou sem unto, porque a Morte a todos reclama. E sim, reclama. Talvez os untuosos tenham o seu consolo no seu unto. Nos seus esquemas, nos seus sonhos de voar alto… E talvez isso lhes baste, tal como à mulher em frente da Bershka talvez lhes bastassem os sacos de compras. Ou aos cães de loiça lhes baste estarem ali, no seu posto, muito afilados de olhos cor-de-laranja, enquanto o mundo e a vida passa  por eles. E, portanto, quando chega o seu tempo, nada mais esperam. Não sei. Não posso dizer. Sei que o unto a mim me enoja. E isso a mim basta-me. Preciso de olhar para as pessoas pessoas. De ver gente e sabê-las gente. Mesmo que não saiba o que esperam nem o que as consola. Nem tão pouco ao que aspiram. Mas que não seja ao unto. Espero que não.
Numa lógica tortuosa poderia dizer coitado de mim, porque os untuosos untam e sempre vingam. Há sempre maneira. E eu…Bem, eu… Nada. Não há lugar para as palavras. Às vezes nem em mim próprio. Vejo as ruas, cheias de gente, que passa, uns muito atarefados, outros, como eu, em passo de passeio, só vendo. Penso em quantas pessoas naquele momento pensam. Coitado de mim que penso, enquanto os untuosos untam e vingam. Aqueles risos serão talvez de escárnio. Não há lugar para pensadores. Muito menos para os pensadores pelintras.

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