Dentre as espécies de pessoas que não suporto, os untuosos
ocupam lugar especial. Os falsos, sim, também. Essa corja, que faz da perfídia
uma coisa de trazer por casa e a usa com a mesma displicência e facilidade com
que se muda de camisa ou se calça outro par de meias. Mas os untuosos... Há
qualquer coisa neles de simplesmente odiável. Não sei se é aquela atitude
submissa, enquanto empenham a sua inteligência e astúcia em tentativas de
agradar a todo aquele que, mesmo remotamente, possa ser uma mais-valia. E num
país de doutores...pfff, já se vê. Não, o negócio da graxa não pode ir mal.
Haverá outros que sim. Os restaurantes, as lojas, os vendedores de toda a
espécie, mesmo os que vendem coisas que não servem para nada mas que habilmente
as vendem, porque criaram nos consumidores a ilusão de que são necessárias...
Todos eles se veêm apertados pelo recuo do consumo.
Agora penso que o recuo do consumo pode não ser totalmente
mau, se ajudar a que nos livremos das ilusões do consumo excessivo. Mas claro,
é sempre mau porque resulta do empobrecimento forçado e não da livre vontade.
Desde que nos convencemos de que comprar é necessário para viver, lançámo-nos
num caminho que dificilmente acabará bem. E aqui reside o problema. Mas os
untuosos. Coitados deles. Passam pela vida esquecendo-se dela, tão ocupados
estão com a vontade de agradar. E no jogo de xadrez não passam de meros peões,
jogados como os outros, uma casa de cada vez, embora convencidos de poderem a
bel-prazer atravessar o tabuleiro inteiro. Haverá sempre alguém, cuidam, que
dará o jeitinho. E por entre sorrisos tortuosos, lançam-se. Coitados deles.
Como se a graxa com que se besuntam, a si e aos outros, os fizesse escapar por
entre as gotas da chuva, os grãos de poeira dos caminhos. Ou se os cabelos das
suas cabeças pudessem parar de cair ou passar pela vida sempre fazendo de
outros bengalas, nunca pondo, eles próprios, os pés no chão. Mas o caminho,
como se faz, se não se caminhar? São como corvos que sonham ser águias.
Coitados deles. Detesto-os de verdade. Um homem que espezinha outro é ignóbil.
Um homem que usa outro é parasita. Parasitas todos eles, cheios de mesuras, de
vénias, de sorrisos falsos, de palmadinhas amigáveis, de conversas de ocasião…
Para no momento certo fazerem dos vaidosos presas.
E de que vale? Pergunto-me a mim próprio de que vale. De que
vale tanto unto? Porventura não virá, a seu tempo, reclamá-los a Morte? Claro,
também poderia perguntar de que vale, afinal, seja o que for, com ou sem unto,
porque a Morte a todos reclama. E sim, reclama. Talvez os untuosos tenham o seu
consolo no seu unto. Nos seus esquemas, nos seus sonhos de voar alto… E talvez
isso lhes baste, tal como à mulher em frente da Bershka talvez lhes bastassem
os sacos de compras. Ou aos cães de loiça lhes baste estarem ali, no seu posto,
muito afilados de olhos cor-de-laranja, enquanto o mundo e a vida passa por eles. E, portanto, quando chega o seu
tempo, nada mais esperam. Não sei. Não posso dizer. Sei que o unto a mim me
enoja. E isso a mim basta-me. Preciso de olhar para as pessoas pessoas. De ver
gente e sabê-las gente. Mesmo que não saiba o que esperam nem o que as consola.
Nem tão pouco ao que aspiram. Mas que não seja ao unto. Espero que não.
Numa lógica tortuosa poderia dizer coitado de mim, porque os
untuosos untam e sempre vingam. Há sempre maneira. E eu…Bem, eu… Nada. Não há
lugar para as palavras. Às vezes nem em mim próprio. Vejo as ruas, cheias de
gente, que passa, uns muito atarefados, outros, como eu, em passo de passeio,
só vendo. Penso em quantas pessoas naquele momento pensam. Coitado de mim que
penso, enquanto os untuosos untam e vingam. Aqueles risos serão talvez de
escárnio. Não há lugar para pensadores. Muito menos para os pensadores
pelintras.
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