domingo, 19 de julho de 2009

O feno

Ia no expresso para o Alentejo e reparei nos campos, depois do Porto Alto.
Foi já Alentejo.
Vinha a pensar na vida enquanto olhava para o feno já enfardado. Pensei também nos armazéns, todos chineses por ali…Um sinal dos tempos e da globalização, essa onda que varre tudo à frente.
O feno encheu-me de lembranças, apenas ouvidas, de ceifas e de ranchos de homens e mulheres, por entre os quais vejo os meus avós e tias, agora velhinhas, todos com tantas estórias… Ao longe ouço os gritos do feitor, bradando instruções, à medida que se acumulam os feixes de feno, enquanto se vai ceifando a passo, num ritmo cadenceado, parando-se apenas para enxotar uma serpente ou ver um raposo, para limpar o suor que escorre testa abaixo, sob um sol que não se descreve, e se saúda com alegria e alívio a caneca do aguadeiro.
Imagino-me a par com eles, não neto nem sobrinho, mas de foice em punho, sem nunca a ter aprendido a usar, ceifando também a passo, sentido os calos nas mãos, trabalhando e gastando-me para expiar uma culpa recôndita.
Ninguém que não tenha nascido no Alentejo compreende a melancolia que se sente quando se olha para os montes. E se vê os amarelos e os castanhos… O conforto triste da música que o vento faz, e que não se ouve senão na alma. E apetece-me ficar assim, eternamente, com o vento dos fenos e os sobreiros, robustos e atarracados, como se a mão divina os amachucasse de cima, senhores da terra que sombreiam, testemunhas de trabalhos e suor, de conversas e riso e choros, que se gravaram na cortiça dos seus troncos. Além umas azinheiras, redondas, quase femininas, imóveis como os senhores sobreiros de copas enormes. Depois um campo de oliveiras, redondinhas, pequeninas, moldadas à mão e à paciência de artífices de cara queimada do sol.
Quis ir a correr para a sombra e ficar lá, quieto, só a escutar. Gosto muito dos sobreiros. Quem sabe se ficar ali muito tempo, tempo suficiente, e fechar os olhos, a vida dê a volta e se torne mansa, como o borreguinho que além vejo correr para a mãe, enquanto as vacas, cá mais longe, ruminam espantadas com os balidos.
Assim que pus um pé na minha terra a minha alergia deu sinais de si… E enquanto os cheiros me enchem os pulmões e a alma, a febre dos fenos aperta-mos. Mas vale a pena.
Já não me lembrava de ter visto as estrelas.
Vale a pena.

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