domingo, 23 de agosto de 2009

O grilo

Havia um grilo na Gare do Oriente. Hoje não o ouvi. Mas durante uma semana, lá esteve, sempre a cantar. Nunca o vi. Seria giro ver a cara das pessoas se me vissem andar à procura dum grilo por ali… Mas não. Só o ouvi cantar, todos os dias, ao subir do metro ou sair do autocarro.
Regressei há pouco de férias, e o grilo encheu-me os ouvidos do mesmo som que todas as fins de tarde e noites me fizeram companhia. Melancolia. Senti falta dos grilos, dos cheiros. Da brisa balsâmica da tarde, depois do dia cálido.
Fiquei a pensar no grilo solitário. No som ininterrupto de chamamento por companhia. Nele, um imperativo da natureza. Por isso não o poderia calar. Na verdade, nós também não… Passamos a vida a tentar mitigar a solidão. Pode estar-se rodeado de gente e ainda assim na mais completa solidão… Sem uma mão amiga ou uma palavra de consolo ou sem alguém que entenda, mesmo sem nunca o dizer.
Voltei às lembranças de infância, como no gafanhoto. Juntei-lhe umas novas. Há dias, alguém me perguntou: “isto são grilos a cantar?”. “Não”, respondi, “são cigarras”. Eram cigarras. Deu-me vontade de rir, mais pela inocência da pergunta do que outra coisa. Confundir cigarras e grilos é possível, sobretudo quando se nasceu na cidade. E pus-me a pensar que tenho muitas vezes confundido cigarras com grilos. Que penso que ouço grilos, e são cigarras. A vida, mesmo quando a achamos injusta ou não gostamos da forma como ela nos trata ou nos corre, não pára de nos surpreender. E de nos ensinar. A mim ensinou-me que apesar de adulto, o caminho não está feito. Faz-se a caminhar, e ás vezes esqueço-me disso. E que as pessoas podem ser sempre um desencanto. E isto gostava que não me tivesse lembrado. O desencanto por alguém é mais triste que o canto solitário do grilo. E também não se cala.

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