quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os três mendigos

Gosto de sair de casa ao fim-de-semana. Gosto da calma. Sempre que posso, o Alentejo. Mas às vezes fico em Lisboa.
Fui ao super-mercado, numa tarde de sol. Podia ter ido à praia se tivesse companhia. Ou à esplanada. Ou passear. Podia ter ido fazer uma coisa diferente. Às vezes penso que a minha vida se acomodou numa monotonia sem sabor. Mas o super-mercado era um imperativo, ditado pelo frigorífico vazio. Segui pois o ritual de tantos solitários sem sabor, como eu, que necessitam, de vez em quando rumar a esses locais, quase peregrinamente, cheios de pessoas a empurrarem carros por entre prateleiras a olhar como se estivessem de visita a um museu e "pis" das máquinas registadoras, que nos permitem depois sobreviver durante a semana no esquema trabalho-casa-comer qualquer coisa-cama.
Não havia carros na rua. Nem muita gente. Gostei de sentir o sol. Estava quente.
Encontrei no caminho até ao super-mercado 7 pessoas e 3 carros. Um casal de chineses, atarefados à porta da sua loja, sempre aberta; um português a arrumar o porta-bagagem do seu carro, muito empertigado nas suas calças vincadas à meia canela e meia branca; um marroquino em passo apressado e três sem abrigo. Um deles carregava um enorme saco de viagem cinzento, sujo e caminhava em passo acelerado, como para chegar a qualquer lado. Outro ia devagar, num delírio murmurante, a andar para lado nenhum. Outro, mais velho, enrolado em trapos, sentado muito encolhido, olhava para a frente, sem ver nada. Os carros iam em velocidade de fim-de-semana. Não fosse os mendigos e ter-me-ia parecido uma bela tarde de sábado à tarde.
Voltei com os sacos das compras, para ouvir os diários das campanhas eleitorais. Votos, votos, votos. Uns porque o governo foi prepotente, outros porque querem mais e melhor (queremos todos), o governo porque a oposição é derrotista e pessimista. Fixei uma frase: "aquilo que realmente nos une é uma visão de futuro". Pensei nos mendigos e na visão de futuro. Pensei nos portugueses sem emprego; na "geração 500"; nos reformados. Não consigo entender a visão de futuro, a não ser que seja um tender para. Aí já me faz algum sentido... Mas não achei que o calor da campanha eleitoral fosse alimentado por considerações de natureza filosófica. Às vezes (muitas) nem política.
As eleições são uma coisa gira.
Não percebo muito de eleições. Mas tenho vindo a ganhar interesse nos últimos tempos. Talvez seja sinal de maturidade. Talvez seja sinal da inconformidade. Ou da indómita vontade de sempre querer melhor, de nunca estar satisfeito, tão própria do ser humano. E de querer mudar e de fazer, em vez de continuar a ver só falar e falar e falar... Ou talvez seja só sinal de cansaço. E de não poder continuar indiferente, como se fosse espectador num mundo paralelo enquanto o país e o mundo se corroem e se gastam. E eu impassível, a ver os chineses, o português de calça à meia canela e o marroquino. E os mendigos. O que pensarão os mendigos da visão de futuro? O que pensarão os mendigos do futuro. Em si mesmo. Lembrei-me do Almada: "até hoje fui sempre futuro". E amanhã?
São giras, as eleições. Este ano, com tantas, há muito sobre o que escrever. Embora também não haja muito a dizer.
Dei-me conta que toda a gente ganhou. Foi o grande ensinamento: numas eleições, pensava eu, uns perdem e outros ganham. Mas nesta coisa dos partidos não. Nos partidos todos ganham. Ainda assim, uns mais do que outros. O partido do Governo ganhou um segundo mandato. Os partidos da oposição ganharam, porque o partido do Governo perdeu a maioria absoluta; porque conseguiram mais deputados; porque chegaram aos dois dígitos... Todos ganhadores para melhor servir. Ver-se-á, no decorrer da legislatura o que foi que ganharam realmente. E o que ganhámos nós, realmente. O português da meia branca e os mendigos. E todos os outros que agora povoam o nosso canto. Vindos de todos os lados. E por cá se fazem e por cá ficam. Uns de meia branca. Esperemos que não mais mendigos a olhar para lado nenhum.
O que precisamos é visão de futuro. Mas não utópico. Futuro a fazer-se hoje. E esse não vai lá com visões. Só com trabalho. E seriedade.Vi que todos ganharam. Mas pode haver alguma coisa onde todos ganhem? Se os partidos ganharam todos, então, quem perdeu?

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