terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Nada

Ontem?... Ontem jantei ar. Ontem jantei aquilo que Deus me deu. E o que Deus me deu foi nada.”
Nada. Fiquei a pensar naquilo. Um desabafo. Mas não fiquei a pensar em Deus. E no nada que ele deu. Pensei no homem, ainda novo, de quem falaram nas notícias, e a quem a vida entregou desgraças e desgraçadamente tudo perdeu. Vive sem nada, da amizade e da caridade de quem o conhece. Dorme numa gruta na Boca do Inferno. Literal e geograficamente. A história dele é igual à de muitos, sem conta. Desgraçadamente igual. Tão igual que já não incomoda (muito). Habituámo-nos.
Nada.
Quando terá sido?
Quando terá sido que nos habituámos? Que nos conformámos à sociedade que criámos. Desgraçadamente criámos. E a quem havemos de por culpas?...
Quando foi que ficámos cheios de nadas sem resposta?
Acho que deve ter sido no dia em que alguém disse “é a vida”…
Não sei se vamos por bom caminho.
Tornámo-nos indiferentes e contentamo-nos com uma sociedade onde poucos ganham e muitos perdem. Contentamo-nos com a miséria, com a pobreza, com a tristeza, com a falta de condições de vida, com a corrupção… O laissez-faire… E o mundo vai andando assim, com a sociedade dividida em lotes. Uns sem nada. A vida cheia de nadas. Sem ter sequer o que comer. Outros sem mesmo nada, apesar de pensarem ter tudo.
Andamos agora apressados em cimeiras atabalhoadas sobre o clima, como se só agora tivéssemos percebido que estamos a mudar o planeta que nos serve de casa. E tenta-se fazer com que um entendimento qualquer impeça que se derretam os oceanos e se mudem as estações e se extingam as espécies… Ouvi há dias um número absurdo de 55 mil espécies extintas por ano. Quero acreditar que ouvi mal.
Há uns dois anos, vi um daqueles programas do National Geographic sobre as alterações climáticas. O de sempre: de um lado os cépticos, do outro os que defendem a necessidade de alteração da pegada humana. Muitas opiniões, factos, gráficos, estudos. Um deles disse uma coisa que me ficou na memória: “ a Terra está cá há milhões de anos. Resistiu a terramotos, erupções, cataclismos, cometas, glaciares, e tudo o mais. Adaptou-se e evoluiu. Sobreviveu. Ainda aqui está. Mas e nós? Seremos capazes de sobreviver às alterações que a nossa própria acção está a provocar?” A mim parece-me um excelente ponto de partida para conversações.
Por cá andamos entretidos com as coisas do costume. Ouvi também hoje que há um município que quer erguer um mastro de bandeira com 100 metros para comemorar o centenário da república. Parece que o projecto é módico. Um milhão de euros.
Por entre o afã da crise, o governo vai-se vendo a braços com a oposição que usa agora a maioria a seu favor para lhe bater o pé e o contrariar. E por entre queixinhas e palhaços, tias de Cascais, processos de corrupção, leis feitas ad hoc para calar os jornais, o país vai indo. Só não percebo bem o que vai a república comemorar… Nadas?... O milhão de euro dos mastro e os outros milhões todos que se hão-de gastar em jantares e galas e beberetes e condecorações e fogos de artifício?... As grutas das bocas do inferno?...
Pergunto-me quantos nadas se poderiam encher com um milhão de euros… Quantas vidas se haveria de arrancar à pobreza… E, ainda assim, se uma só fosse, se não valeria mais à república do que um mastro…
Já toda a gente percebeu que Copenhaga é aquilo que se esperava. Nada. Uma reunião de gente que precisa de justificar (porventura até a si próprios) aos cidadãos do mundo que estão a tentar.
Espero que já se tenha percebido que a república não tem nada para comemorar (quem serão os palhaços?)
Também gostava que se percebesse que enquanto continuarmos a fazer da indiferença o modus vivendi há-de haver muitos nadas.
Hoje? Jantámos nada. Foi aquilo que nos démos.

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