quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A pobreza

Andamos já todos na lufa-lufa do Natal.
Gosto do Natal. Muito. Gosto sobretudo das memórias do Natal. Do que elas me trazem. Do enredar de lembranças dos tempos de criança. E gosto de prendas. De dar. Sobretudo porque não espero nada de ninguém. Dá-me gozo oferecer. Coisa que agora não faço, porque não ganho suficiente. É simples. Por isso, bastam-me as memórias.
E das luzes. Gosto das luzes.
E nesta azáfama, muitos fazem contas. Esticam o orçamento e esmeram-se em jogos – ainda que depois em Janeiro fiquem deprimidos e sem cheta – para que nada falte.
Outros há que já não fazem contas. Não podem.
Vi hoje uma reportagem sobre o trabalho social da AMI, no apoio aos carenciados... Meritório, sem dúvida, como o de tantas outras instituições e organizações, que nesta quadra ganham mais alguma visibilidade. Valha-nos isso. Embora não me apeteça muito publicitar seja o que for, seria desleal não enquadrar este pensamento. E o mérito deve ser dado quando existe. (Palavra feia: carenciados. Como se não fôssemos todos carentes de alguma coisa. Usamos palavras tão tontas...). Entrevistaram uma senhora, de cara muito afável, cortada entre lágrimas e uns olhos serenos, apesar das dificuldades, mas tão conscientes... Lembrei-me da frase célebre de Jesus: “tereis sempre os pobres convosco” (Jo 12, 8). O papa João Paulo II chamou a esta palavra “um abismo”... E é mesmo. É a certeza irrefutável de que a pobreza faz parte de ser homem. Poderíamos filosófica e teologicamente falar da pobreza como um despojamento... E aí até seria interessante. Mas não. A pobreza de que ali se fala é a da desgraça. Do não ter. Da que faz fome e lágrimas. Da que resulta de um conjunto de problemas que concorrem todos para um buraco sem fundo, da que não é culpa de ninguém (pode não ser) e é culpa de todos... De todos os que fecham os olhos. Que não se importam, que são indiferentes... Dos que vivem sem querer saber, como se a ignorância da pobreza e do sofrimento abonasse a existência de alguém... Ou a fizesse crescer e ser mais existência...
Pobres. Sempre os teremos. É fria esta constatação. Inexorável. Sem esperança.
Mas é um desafio.
Um não compactuar. Não ficar quieto. Não se resignar. Um querer mitigar. Um não se contentar com ver reportagens na TV... Um não ficar à espera, como se não pudéssemos fazer nada... É que podemos fazer.... Não é difícil perceber o quê!
Não vale de muito a constatação da crise; do encarecimento do custo de vida; do desemprego; da riqueza mal distribuída; das muitas pessoas que se estão completamente nas tintas para o que se passa à sua volta... Nada disso importa se, cada um, não decidir de que lado fica. O abismo está lá. Ficamos a olhar para ele ou seguimos adiante, como pudermos? Um pequeno acto de bondade de cada vez. Não custa. E assim a lufa-lufa do Natal há-de custar menos na consciência...

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